Atual sede da Secultfor carrega histórias de sustos. Algumas casas provocam a imaginação.
Ouvem-se gritos, portas se fechando em dias sem vento e o tilintar dos talheres no alto da noite. A Cidade ainda costura histórias de assombros e visagens no escuro das calçadas.
A conversa é antiga. Remonta ao tempo em que a rua Romeu Martins ainda se chamava Beco da Itaóca, nos anos de 1940. Dizem que o Cão resolveu se abancar numa das casas simples do velho areal e bagunçou os dias da família. Mexia pratos, batia portas e até trocou bebé de canto na hora do sono - o choro vinha do guarda-roupa e não do berço.
O Cão da Itaoca, como lhe nomearam nas calçadas daquele tempo, não assustou dona Fransquinha Oliveira. Isso porque, quando ela chegou por ali, há 60 anos, o Capiroto já havia debandado “a custa de muita reza”. A história do indigesto vizinho lhe chegou aos ouvidos pelo pai. Um conta dali, outro de acolá, mas poucos se afinam quanto ao que ocorreu naquele ano.
O lugar onde o Cão tomou morada também é motivo de impasse entre os mais velhos. “Eu acho que era aqui, neste terreno. Pelo menos é o que o povo diz”, arrisca dona Mazé Monteiro - 92 anos, 48 dos quais moradora do bairro. Ali costurou uma vida calma, a despeito do passado sombrio do lugar. “Sei que mandaram benzer a casa quando chegamos. Até hoje, nunca vi nada de visagem”, garante.
A mesma sorte não chegou aos moradores da rua Afonso Vizeu, no Centro. O casarão de número quatro - comentam - recebe visitas do mundo de lá, assustando vigias e acendendo desconfianças. No palacete, funcionou a Polícia Federal em tempos de ditadura militar. Os relatos dão conta de que a casa protagonizou cenas de tortura. Hoje, é sede da Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor). “De vez em quando a gente vê um vigia correndo, assombrado”, atesta o guardador de carros Júlio César. Ouvem-se passos de gente nas horas mais improváveis, ranger de janelas, gritos. Tudo sem dia e hora para acontecer, feito susto de filme.
Impressionado com o falatório, Felipe - o Gordim - já não pega mais água nos fundos da repartição. Se o dia cai em sombras, é melhor deixar o pó se acumular nos carros do que ver alma. Nunca viu (ou ouviu), mas não ousa arriscar.
Também quisera Neta Moura se livrar das aparições. Da calçada de casa, na rua 12 do conjunto Pequeno Mondubim, ela enxerga uma lagoa. Mas não é só isso. Quando a noite se faz alta, lá pelas oito, um pescador joga tarrafa como se fosse dia. As amigas conseguem notar as marcas da rede sobre água, mas nunca percebem o homem - ou o espectro dele. “Várias pessoas do conjunto já disseram desse pescador. Descrevem para mim e é a mesma pessoa. Eu tenho certeza”.
Naquela rua, as coisas não parecem funcionar no ordinário. Outro dia, a vizinha organizou mudança por não saber lidar com o sobrenatural. Ana Ferreira até gostou dos cômodos. Só não contava com os empurrões de súbito, os assombros do gato de estimação e o tilintar dos talheres.
Por ali, as histórias são muitas. Envolvem rezas e aperreios no silêncio da noite. Difícil é comprovar as ocorrências do outro mundo. “Se é verdade, eu não sei”. É o que se arrisca. O resto é especulação e história de arrepiar os cabelos do juízo.
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