Face a um semáforo que acabou de ficar vermelho, não começamos logo a carregar no acelerador MIGUEL MADEIRA
Quando estamos à espera de algo que sabemos vai acontecer, a dada altura sentimos que o desfecho está próximo. Quais são as bases neurais desta percepção subjectiva do tempo?
Ao volante do nosso automóvel, cheios de pressa, somos obrigados a parar num sinal vermelho. Mas não começamos logo a carregar no acelerador, porque sabemos que vamos ter de esperar algum tempo até o sinal voltar a abrir. No entanto, passados uns instantes, a nossa expectativa da iminência desse desfecho aumenta – e aprontamo-nos então para arrancar o mais depressa possível (sem atropelar ninguém, claro).
De onde nos vem essa capacidade inata de “medir” a passagem do tempo para saber quando é que está na hora de agir? Como é que o nosso cérebro constrói essa percepção temporal, que nos é essencial para tomar acertadamente as mais variadas decisões?
Ninguém sabe ao certo, mas sabe-se, isso sim, que uma região cerebral chamada estriado é sem dúvida um componente central da codificação do tempo ao nível neuronal. Em particular, porque as doenças humanas que afectam as células do estriado – como as doenças de Parkinson ou de Huntington – provocam disfunções da percepção do tempo pelos doentes.
Joe Paton e os seus colegas da Fundação Champalimaud, em Lisboa, decidiram estudar, no rato, o que se passava naquela região do cérebro quando os animais eram submetidos a diversas tarefas destinadas a testar a sua noção do tempo que passa. Os resultados foram publicados online, na quinta-feira, na revistaCurrent Biology.
O co-autor Gustavo Mello explica, em comunicado da Fundação Champalimaud, a experiência que realizaram: “Preparámos uma tarefa na qual os ratos tinham de pressionar uma alavanca para receber uma recompensa [água] que só estava disponível periodicamente. Por exemplo, ao longo de uma sequência de 15 ensaios, a nova recompensa só ficava disponível 30 segundos após a última recompensa recebida.” Ao mesmo tempo que observava o comportamento dos animais, os cientistas mediam, em tempo real, a actividade de uma população de neurónios do seu estriado.
Constataram então que (após uma fase de aprendizagem), os ratos não carregavam imediatamente na alavanca: apenas o faziam quando tinha decorrido tempo suficiente para ser expectável tornar a haver uma nova recompensa em breve. Por outras palavras, poupavam energia, sabendo de que de nada lhes serviria carregar logo quando a recompensa ainda iria demorar algum tempo a ser oferecida.
Os cientistas também queriam saber se os ratos seriam capazes de se adaptar a mudanças na periodicidade das recompensas. Por isso, após umas dezenas de repetições da tarefa com um dado intervalo entre as recompensas, alteravam de forma imprevisível esse intervalo, encurtando-o ou alongando-o. Fizeram-no para perceber "se o rato era capaz de estimar os diferentes intervalos de tempo”, frisa Gustavo Mello.
E de facto, a equipa descobriu que os animais alteravam o seu comportamento para se adaptarem aos diferentes tempos de espera – esperando mais ou menos tempo, segundo os casos, para começar a carregar na alavanca.
Como é que essa mudança de comportamento se reflectia na actividade dos neurónios do estriado que estava a ser monitorizada? Antes de mais, diga-se que os cientistas observaram que a codificação do tempo era o resultado de uma actividade neuronal conjunta, distribuída por toda uma população de neurónios. Mais precisamente, o tempo era representado, nestes neurónios, como uma “onda” de actividade – um processo em que grupos de neurónios se activavam em sucessão.
“Descobrimos que, de cada vez que os ratos iniciavam uma tarefa, os seus neurónios respondiam através de ondas lentas de actividade neuronal sequencial”, diz Sofia Soares, a terceira co-autora do trabalho, citada no mesmo comunicado. E era a velocidade de propagação dessa onda que mudava com a alteração dos intervalos entre recompensas. “Quando o tempo de espera era mais longo, a sequência era mais lenta e vice-versa”, explica a cientista. Mais: bastava olhar para o local onde se verificava o “pico” de actividade neuronal para perceber quanto tempo já tinha passado – e prever o comportamento dos animais.
Os resultados indicam que o tempo no cérebro “é algo relativo, e não absoluto, uma vez que é medido como um ponto dentro de um intervalo e não como uma unidade, como o segundo ou a hora”, salienta Gustavo Mello.
“Já existiam alguns estudos deste tipo de comportamento [de avaliação do tempo], mas até agora tendiam a olhar para as respostas de neurónios isolados”, disse ao PÚBLICO Joe Paton em conversa telefónica. “Nós olhámos para populações de neurónios; é um dos primeiros trabalhos deste tipo.”
Existem também várias teorias para tentar dar conta do mecanismo de representação neuronal do tempo utilizado pelo cérebro. Por exemplo, do lado da psicologia experimental, explica ainda Joe Paton, há quem pense que possuímos uma espécie de “relógio digital”, tal como os computadores, que emite batidas regulares, enquanto outro sistema conta essas batidas.
Porém, os resultados agora obtidos pela sua equipa “mostram que isso não é preciso para contar o tempo”, diz Joe Paton – e que a existência de populações de neurónios com o tipo de actividade temporal adaptável que agora puseram em evidência “dispensa a existência” de um relógio central. Talvez exista um tal relógio digital, admite, mas não parece ser necessário.
A seguir, a equipa tenciona identificar o mecanismo que produz estas “ondas” de actividade neuronal que codificam o tempo, bem como o mecanismo que permite ao cérebro “ler” essa informação temporal – duas coisas acerca das quais “ainda não sabemos nada”, diz-nos Joe Paton.
fonte: Público
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