Ave era conhecida, mas o biólogo Martim Melo conseguiu perceber que se trata de uma nova espécie. A má notícia é que está ameaçada
A suspeita existia há muito. Um tordo raro da ilha do Príncipe, avistado apenas em seis ocasiões nos últimos 111 anos, parecia ser outra espécie distinta, não só do tordo-de-são-tomé mas também dos seus congéneres africanos. O biólogo Martim Melo, que há anos estuda a evolução das espécies de aves em África, e que é investigador do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO), da Universidade do Porto, cruzou-se com esse tordo-do- -príncipe pela primeira vez em 1998. Em 2004 conseguiu capturar um exemplar e em 2007 outros três. Os seus estudos confirmaram agora as suspeitas. Trata-se de uma nova espécie de tordo, que só existe na pequena ilha do Príncipe. Mas a má notícia é que o Turdus xanthorhynchus, como o baptizou, está "em perigo crítico de extinção", o nível mais elevado de ameaça.
"Conseguimos descrever uma nova espécie, mas um pouco mais e ela poderia ter desaparecido para sempre sem que tivéssemos conhecido a sua existência", comenta o investigador, para sublinhar a necessidade da sua protecção. "Um bom indicador é que o território desta espécie, que é a floresta pristina, ou primária, está localizada no Parque Natural de Obô, ali criado pelas autoridades do país", nota Martim Melo.
Obô, na língua local, significa, justamente, floresta primária, e é aí, no coração secreto dessa floresta original, que vivem os cerca de 180 casais que restam da espécie, segundo as estimativas do biólogo português.
A maior ameaça que pesa sobre esta ave rara parece ser a sua própria docilidade. "Ele só existe nas zonas mais inacessíveis e tornou--se uma espécie mansa, que não tem medo do contacto, por isso vem ter connosco", conta.
Mas nem todos os encontros são pacíficos para o tordo-do- -príncipe. Quando lhes acontece cruzarem o caminho com os apanhadores de caracóis ou de búzios, ou com caçadores de papagaios, que para isso se embrenham na floresta, isso pode ser-lhes fatal. "Os caçadores não estão interessados nos tordos, mas aproveitam. Apanham-nos para os comerem."
Por isso, o investigador português considera que foi importante a criação do parque natural. Mas sublinha que "é preciso que funcione", o que implica fiscalização, guardas no terreno e também informação sobre a necessidade de conservação da ave. "Uma vez que os apanhadores de búzios e caracóis não têm interesse nos tordos, isto pode ser trabalhado", comenta o biólogo.
Foi em 1899 que o naturalista italiano Leonardo Fea encontrou pela primeira vez este tordo nas profundezas da floresta tropical da ilha do Príncipe. Observou que não havia registo anterior dela e considerou, logo na altura, que aquela deveria ser uma ave muito rara.
Fea não se enganou. Só em 1929 outro estudioso de aves, o português José Correia, voltou a encontrar aquele tordo. Numa expedição ao serviço do Museu de História Natural Americano, o português conseguiu recolher quatro exemplares. Anotou grandes diferenças em relação ao tordo-de-são-tomé e sublinhou também a raridade da ave, que só podia ser encontrada nas zonas mais densas de floresta, como escreveu numa carta endereçada ao museu americano.
De facto, foram necessário mais 69 anos para que outra bióloga, a portuguesa Sasha Lima, voltasse a avistar o tordo, em 1997. E em 1998 foi a vez de Martim Melo observar pela primeira vez a ave na floresta do Príncipe, quando ali andava a fazer um estudo sobre o papagaio--cinzento.
"Nessa altura, quando o vi, percebi logo que tinha de ser outra espécie, porque era muito diferente do tordo-de-são-tomé." E foi também nesse momento que o jovem biólogo decidiu que haveria de fazer um estudo sobre a ave.
"Em 2002 fiz a primeira tentativa de apanhar exemplares, mas só em 2004 consegui capturar um. E em 2007 decidi fazer uma expedição, só para estudar esta ave", explica o investigador do CIBIO.
Feitos os estudos, incluindo genéticos, e as devidas comparações com os congéneres de São Tomé e também do continente africano, o Turdus xanthorhynchus nasceu agora, em Novembro, para a ciência, com a publicação do estudo da nova espécie no Journal of Zoology.
fonte: Diário de Noticias
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