Os fazendeiros locais chamam de inundação, que acontece a cada 50 anos. Outros acreditam que seja um acto de Deus, uma inevitabilidade. Seja o que for, essa inundação não é de água: no nordeste da Índia, o que inundou a terra foram ratos.
Eis um exemplo perfeito de como uma simples relação entre duas espécies aparentemente inócuas – uma erva alta e um roedor pequeno – pode deixar a ecologia de uma região inteira de cabeça para baixo: aniquilar a vida selvagem, destruir a agricultura e deixar pessoas na miséria.
Uma vez por geração, uma gigantesca praga de ratos destrói culturas e deixa as pessoas morrendo de fome. Um exército de ratos tão grande e mítico, que até agora alguns cientistas não acreditavam que era real.
Mas é real. E investigadores acabaram de confirmar: essa explosão da população de roedores é causada por um excesso na oferta de alimentos, ou seja, de sementes de bambu. E a previsão não é das melhores: os cientistas suspeitam que as mudanças climáticas podem criar exércitos de ratos ainda maiores no futuro.
As florestas de bambu cobrem mais de 26.000 quilómetros quadrados em todo o nordeste de Mizoram, estendendo-se aos montes Chin, Birmânia, e Chittagong, Bangladesh. Essa espécie – Melcocanna baccifera – é de valor inestimável para os agricultores cuja subsistência é toda baseada nos bambus, que fornece material de construção, roupas e até comida, em forma de brotos de bambu. Ecologicamente, porém, é uma planta agressiva que aniquilou qualquer competição e cobriu toda a área com um tapete de bambu.
Entretanto, a cada 50 anos, esse tapete morre. Quaisquer que sejam as condições ambientais, o sinal de um relógio interno avisa cada planta que é tempo de florescer, produzir sementes e morrer. Essa é uma forma do bambu assegurar que as sementes sobreviverão.
E assim, caem 80 toneladas de semente de bambu por hectare no chão. Isso corresponde a 80 toneladas de alimentos esperando para serem comidos. Só agora, na floração de bambu mais recente (que começou em 2004 e vai até 2011), que os cientistas perceberam que esse era o gatilho para a epidemia de ratos.
A demora na descoberta veio da raridade e importância do evento, que o tornaram um pouco mítico. Há muitas histórias fantásticas sobre a situação, e fica muito mais difícil para os cientistas separar facto da ficção. Por exemplo, quando investigadores entrevistaram comunidades, algumas pessoas falaram sobre “exércitos de ratos” que “trabalham juntos” ou da praga como sendo um acto de Deus.
Porém, o grande problema desse acontecimento de meio século é para os agricultores locais e seus cultivos de arroz, que se tornam presas fáceis para os ratos famintos. Segundo os investigadores, algumas pessoas simplesmente já nem tentam plantar nada, aceitando que será inútil.
Além da fome generalizada, as inundações de ratos provocam um enorme impacto sobre insectos e outros animais selvagens. Habitats e alimentos são simplesmente eliminados.
Não bastasse tudo isso, nas terras baixas da Birmânia, o ciclone Nargis, um evento que sozinho matou um número estimado de 140.000 pessoas, tornou o problema ainda pior. Depois da tragédia, muitas áreas que normalmente seriam cultivadas ficaram abandonadas. Essas áreas foram cobertas de gramíneas e ervas daninhas, terreno fértil para os grandes roedores.
Além disso, como os pequenos agricultores recuperaram-se do ciclone em diferentes fases, a cultura do arroz amadureceu em várias plantações em épocas diferentes, ou seja, havia comida disponível para os ratos por muito mais tempo do que o habitual.
Tudo isso levou à criação de ratos durante mais tempo e a sua reprodução antes da época de colheita terminar. Resultado: mais uma explosão na população de ratos. Também há indícios de que o ciclone destruiu predadores como cobras, que teriam ajudado a diminuir essa população de roedores.
Mas, apesar de toda a destruição e do facto de que os locais têm suas colheitas devastadas, há pouco ou nenhum desejo de fazer algo a respeito. Os cientistas notaram um enorme sentimento de apatia na região.
Entre Junho e Setembro de 2009, campanhas comunitárias de coleta de rato realizadas apenas em poucas cidades no Delta do Ayeyarwaddy recolheram mais de 2,6 milhões de ratos.
Claro que não há apenas uma espécie de roedor envolvida, mas um dos principais culpados do Delta do Ayeyarwaddy é o Bandicota savilei. Este rato comum é uma espécie nativa, sem forte concorrência. Parece, no entanto, que a paisagem ecológica é tão deformada pelo bambu que isto se tornou uma espécie nativa que “deu errado”.
Os ratos podem produzir uma ninhada a cada três semanas, e os filhotes atingem a maturidade sexual em apenas 50 a 60 dias. Para os cientistas, esse é um problema frustrante. A maioria dos métodos utilizados para controle de pragas simplesmente não funcionam.
Na Índia, os agricultores muitas vezes compram um punhado de veneno e o espalham. Outra solução poderia ser uma simples cerca de plástico contendo furos que levam a ratoeiras. Os investigadores esperam ensinar ao máximo de agricultores locais a colocar armadilhas eficientes nos momentos certos, para reduzir a quantidade de alimentos que eles perdem.
Os cientistas acreditam que toda essa apatia venha do facto de que eles já tentaram outras vezes e falharam contra os ratos. Mas os seres humanos podem vencer; com organização e preparação, os agricultores poderão enfrentar o próximo exército de ratos.
fonte: hypeScience
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