Será que este rato está a sonhar com o que vai comer quando acordar? ALICE OSEN/FLICKR.COM
A actividade do cérebro destes animais durante o sono sugere que estarão a simular o percurso que vão ter de fazer para apanhar alimentos que cobiçaram, mas sem os conseguirem alcançar, quando estavam acordados.
Numa entrevista ao PÚBLICO em 2012, o psiquiatra norte-americano Allan Hobson, pioneiro no estudo da neurobiologia dos sonhos, dizia que os sonhos eram "programas de treino em realidade virtual". E acrescentava que “fazia todo o sentido” pensar que os animais que têm fases de sono dito REM (sono acompanhado de movimentos oculares rápidos, ou rapid eye movement sleep em inglês) – que nos seres humanos correspondem aos momentos em que sonhamos – vinham equipados com capacidades de treinar, enquanto dormem, as suas respostas a situações do mundo real que ainda não aconteceram.
Quando sonhamos, “inventamo-nos a nós próprios, inventamos o espaço no qual nos inserimos e depois desenvolvemos aí uma série de comportamentos”,
salientava Hobson.
Não sabemos se os ratos sonham, mas uma coisa é certa: quando dormem, apresentam fases de sonho REM tal como os humanos e muitos outros animais (aves e mamíferos, nomeadamente). E agora, um estudo
publicado há dias na revista online de acesso livre eLife e realizado no Reino Unido vem reforçar, com base em registos da actividade cerebral de ratos a dormir a sesta, a ideia de que eles são efectivamente capazes de simular, de planificar virtualmente, percursos que ainda não fizeram na realidade.
Hugo Spier e os seus colegas do University College de Londres (UCL) monitorizaram a actividade cerebral de quatro ratos de laboratório machos – e mais precisamente, de certas células do hipocampo destes animais. O hipocampo é uma estrutura situada nas profundezas do cérebro que se sabe estar envolvida na memória espacial e na navegação pelo mundo 3D que nos rodeia.
Sabe-se ainda que a memória dos locais específicos por onde um rato já passou fica armazenada em conjuntos de células, chamadas células de localização, que se activam em simultâneo quando o animal torna a passar pelo mesmo local e o reconhece. “Durante a exploração de um espaço, os mamíferos rapidamente constroem um mapa desse espaço no seu hipocampo”, explica Spier em comunicado do UCL. “E durante o repouso, o hipocampo torna a ‘correr o filme’ dos percursos através desse mapa, o que poderá permitir reforçar a memória desse local. Há quem diga que essas simulações poderiam constituir o conteúdo dos sonhos. Não sabemos se os ratos vivem ou não essa experiência como um sonho, porque para isso teríamos de lhes perguntar! Mas o que mostrámos foi que, quando os ratos descansam, o seu hipocampo também constrói fragmentos de um futuro que ainda não aconteceu.”
Para realizar o estudo, os cientistas colocaram os ratos, cada um por sua vez, numa espécie de corredor, no fim do qual seria possível virar para a esquerda ou a direita, não fosse o acesso a esses “ramos” estar vedado por uma barreira. Contudo, os animais conseguiam observar que, lá ao fundo de um dos ramos (e apenas de um deles) alguém tinha deixado um apetecível bocado de comida.
A seguir, os ratos tiveram a oportunidade de descansar durante uma hora. Por último – e depois de a vedação que impedia o acesso ao alimento ter sido removida –, os animais tornaram a ser colocados no corredor, tendo agora a possibilidade de circular na totalidade do espaço.
Enquanto os ratos dormiam, os cientistas tinham registado, graças a eléctrodos colocados no cérebro dos animais, padrões de activação das células de localização do hipocampo. E quando, uma vez acordados, os ratos se dirigiram directamente para o lado em que sabiam que iam encontrar o cobiçado manjar, o padrão de activação das células do seu hipocampo revelou-se semelhante ao padrão de activação registado durante o sono.
“O hipocampo é em geral visto como importante para a memória dos locais que já visitámos”, explica no mesmo comunicado a co-autora Freyja Ólafsdóttir. “Mas o que é surpreendente aqui é que vemos o hipocampo a fazer planos para o futuro, ensaiando trajectos totalmente novos, trajectos que os animais vão precisar de efectuar para alcançar a comida.”
“Por enquanto, não sabemos o que essas simulações neuronais significam”, diz por seu lado o também co-autor Caswell Barry. “Parece possível que se trate de um processo de avaliação das opções disponíveis com vista a determinar qual delas é mais susceptível de conduzir a uma recompensa – com o animal a ponderar essas opções, por assim dizer. Mas não sabemos ao certo. E uma das coisas que gostaríamos de fazer é tentar estabelecer uma relação entre essa aparente planificação e o que os animais fazem efectivamente a seguir.”
Os cientistas também pensam que os seus resultados poderão permitir explicar por que é que as pessoas com lesões no hipocampo também têm dificuldade em imaginar o futuro.