É no interior deste cilindro com poucos centímetros de altura que ocorreu a fusão nuclear da experiência EDDIE DEWALD/LABORATÓRIO NACIONAL LAWRENCE LIVERMORE
Equipa norte-americana pôs a humanidade mais perto de conseguir imitar o que se passa no interior das estrelas. Esta experiência é explicada na revista Nature.
As fontes de energia são um dos maiores problemas da civilização: os combustíveis fósseis estão a esgotar-se e são poluentes, as energias renováveis ainda não chegam para todas as necessidades e a energia nuclear conheceu desastres como Chernobil e Fukushima. Por isso, a produção de energia por fusão nuclear, barata, limpa e com um potencial inesgotável, é o sonho de muitos. Há décadas que os cientistas trabalham para que a fusão do núcleo dos átomos se torne rentável. Agora, uma equipa norte-americana conseguiu, pela primeira vez, produzir mais energia por fusão nuclear do que a aplicada para iniciar a reacção. Os resultados são publicados esta quinta-feira num artigo da revista Nature.
É nas estrelas que se dá naturalmente a fusão nuclear, quando pressões gigantes, temperaturas altíssimas e uma grande densidade de matéria obrigam a que o núcleo de dois átomos de hidrogénio se fundam para produzir um átomo de hélio e um neutrão (elemento sem carga do núcleo dos átomos). O resultado deste choque gera energia, que provoca outras reacções iguais. Há assim uma ignição, uma reacção inicial que auto-alimenta a própria reacção. A natureza pôs assim as estrelas a brilhar.
Na Terra, optou-se por utilizar compostos diferentes dos que os que existem no Sol para atingir a mesma reacção – seria necessário esperar muito tempo para se observar a colisão de dois átomos de hidrogénio. Os cientistas usam antes deutério e trítio: dois isótopos (formas) do hidrogénio (têm, respectivamente, mais um e dois neutrões do que o hidrogénio), que se encontram na água, em proporções pequeníssimas. Mas não é uma reacção fácil de se obter.
A equipa autora do novo estudo, liderada pelo físico Omar Hurricane, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, nos EUA, provocou a reacção de fusão nuclear num dispositivo chamado hohlraum, palavra alemã que significa cavidade. As experiências foram feitas na National Ignition Facility, na Califórnia, instalações militares ligadas também ao estudo da energia nuclear.
Ali, os norte-americanos construíram um enorme laboratório com o tamanho de “dois a três estádios de futebol”, explica ao PÚBLICO Luís Oliveira e Silva, físico catedrático do Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Nestas instalações foram construídos 192 feixes de laser que incidem, através de espelhos, numa câmara em vácuo de 10 a 15 metros de diâmetro.
No meio da câmara está o hohlraum, um cilindro de poucos centímetros de altura onde tudo se passa. Os feixes de laser, verdes, entram pela parte inferior e superior do cilindro. Lá dentro, há uma esfera de poucos milímetros de diâmetro com uma cobertura externa de plástico. No interior da esfera está o plasma (um estado da matéria) com deutério e trítio. Os lasers não se dirigem directamente à esfera, batem contra a parede interior dohohlraum, feita de ouro. O ouro aquece e cria feixes de raios X, que por sua vez atingem a cobertura de plástico da esfera. Esta dilata-se, comprimindo no seu interior o plasma. Tudo acontece em nanossegundos. Este método chama-se fusão nuclear por confinamento inercial.
Durante três a quatro anos, a equipa, por precaução, usou feixes de laser inicialmente fracos, que iam aumentando de energia. O resultado causava um distúrbio na esfera e impedia um bom rendimento da fusão nuclear. Mas, nos últimos meses de 2013, os cientistas resolveram fazer incidir no hohlraum um feixe logo mais forte no início e conseguiram assim medir mais energia libertada através da fusão (16 quilojoules) do que a energia que atingia a esfera. Mas ainda se está muito longe da energia que começa por ser disparada pelos 192 lasers (dois megajoules).
“Pela primeira vez, conseguiu-se mais energia a partir deste combustível do que a que foi colocada no combustível”, disse Omar Hurricane, citado pela Reuters. “E isso é bastante único. É um ponto de viragem.”
Há um impacto político
Ainda não foi atingida a ignição que se observa nas estrelas, apenas parte dos átomos se fundiram. Mas, quando se deu a fusão, mediu-se uma subida de temperatura que se coaduna com os modelos que antecipam a ignição. “A descoberta dá, de facto, um caminho possível para a fusão por confinamento inercial”, comenta Luís Oliveira e Silva. Mas há ainda um longo caminho pela frente. Os autores do artigo falam de décadas até se produzir energia a partir deste método.
Do lado de cá do Atlântico, em França, o Reactor Experimental Termonuclear Internacional (ITER, na sigla em inglês), um projecto que envolve a União Europeia, a Rússia, os Estados Unidos, o Japão, a Coreia do Sul, a China ou a Índia, está a trabalhar no mesmo. Mas baseia-se no confinamento magnético, em que as condições de pressão e temperatura do plasma são criadas não por inércia, mas com magnetos gigantes em forma de anel, o tokamak.
As instalações no Sul de França só estarão prontas por volta de 2020. Com o confinamento magnético nunca se conseguiu o rendimento atingido agora na Califórnia. Mas os estudos garantem que, no ITER, se atingirá a ignição do plasma, diz o cientista português. E a nova descoberta é importante para toda a área. “Tem um impacto político porque mostra que a fusão nuclear, numa das suas vertentes, é possível”, sublinha Luís Oliveira e Silva, referindo que o fim dos combustíveis fósseis, nas próximas décadas, vai obrigar a humanidade a ter uma alternativa energética. “A pressão do ponto de vista energético é tão grande que não faz sentido não explorar as diferentes possibilidades.”
fonte: Público
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