A Terra será única? Há mais vida? Será essa vida inteligente? 2010 bate recorde na descoberta de planetas extra-solares. Astrónomo do Vaticano diz que só procurar já vale a pena
A coincidência devia ser investigada pela física, não fossem talvez os quatro meses de atraso. Em Julho celebraram-se os 15 anos da descoberta do primeiro planeta fora do sistema solar - o 51 Pegasi b, a 50 anos-luz da Terra. Esta semana, o catálogo de exoplanetas ultrapassou a barreira psicológica das cinco centenas (a última actualização em exoplanet.eu, ontem, contava já 504). Para os próximos meses, e sobretudo quando chegarem os resultados completos da sonda Kepler, que desde o ano passado está a investigar 126 mil potenciais "sóis" na Via Láctea, os astrónomos prevêem um aumento exponencial dos mundos conhecidos. Com eles, aumenta também a probabilidade de encontrar vida.
Antes da descoberta do 51 Pegasi b a existência de planetas fora do sistema solar era mais verdade na ficção científica do que na própria teoria de formação planetária. Michel Mayor, o astrónomo sedeado em Genebra, que publicou as primeiras medições na "Science", lembra que os resultados vieram contradizer o conhecimento da altura. "A teoria previa que estes gigantes gasosos teriam órbitas de dez anos. O 51 Pegasi b e outros que vieram depois levaram a uma enorme revisão na física dos sistemas planetários." No final de 2004 tiveram as primeiras pistas do planeta no observatório de Haute-Provence, mas decidiram esperar mais um ano para confirmar a descoberta, em Julho de 1995.
Nuno Santos, do centro de astrofísica da Universidade do Porto, começou a trabalhar nesta área na recta final dos anos 90. Em conjunto com o especialista do Observatório de Genebra, e ainda durante o doutoramento, o primeiro planeta que ajudou a detectar foi baptizado de HD 192263 b, com o tamanho de Júpiter. "Na altura seriam conhecidos uns 20. Achávamos que iam aumentar mas era uma fase muito inicial, só conseguíamos observar gigantes gasosos quando sabíamos que este tipo de planetas são uma minoria no sistema solar", diz. Apesar da teoria da formação apontar para uma imensidão de planetas, reinava algum cepticismo. "Havia poucas observações, tínhamos de ver para crer."
Com um catálogo razoável de planetas extra-solares, começam a sair os primeiros trabalhos sobre a demografia dos sistemas. B. Scott Gaudi, professor de astronomia da Universidade de Ohio, revelou no início do ano que apenas 10% dos sistemas planetários no universo serão como o solar. "É impressionante a rapidez com que este campo se desenvolveu", comenta. "Lembro-me de quando só sabíamos de um método capaz de detectar planetas, o método Doppler, e cada planeta era precioso." No início, sabia os nomes de muitos planetas de cor, conseguia dizer as propriedades de cada um. "Agora há até planetas pouco interessantes e a velocidade a que são anunciados é cada vez maior."
Ano recorde A um mês do final, 2010 já tem o recorde de novas descobertas. "Os planetas têm uma variedade impressionante de tipos, tamanhos, massas, órbitas e propriedades. A natureza é definitivamente muito mais inventiva do que nós", resume B. Scott Gaudi.
Johny Setiawan, do Instituto Max.Planck para a Astronomia - que este mês anunciou a descoberta do primeiro exoplaneta com origem noutra galáxia, engolida pela Via Láctea - vai mais longe: "A grande lição é que não estamos sozinhos no universo. Há muitos sistemas planetários, muitos parecidos com a Terra. Na tecnologia houve grandes melhorias mas no futuro teremos de melhorar as comunicações, se quisermos enviar sinais para os planetas parecidos com a Terra."
Está aí alguém? Todos acreditam que haverá vida, falta encontrá-la. "É um objectivo a longo prazo e muito difícil. Para já, iria precisar de uma nova geração de instrumentos, que só estarão disponíveis dentro de 15 a 20 anos", diz Christophe Lovis, que em conjunto com Michel Mayor e os portugueses Nuno Santos, Pedro Figueira e Alexandre Correia já terá contribuído para a história com 200 planetas (contas do chefe Michel Mayor).
Dos 504 catalogados, que incluem alguns ainda duvidosos como uma descoberta em 1989, nenhum parece poder albergar os primeiros vizinhos do homem, explica Nuno Santos. Além de terem de estar na chamada zona habitável, ou seja, à distância certa da sua estrela-mãe para poderem ter água no estado líquido - os únicos candidatos a preencher os requisitos são o Gliese 581c e outro anunciado em Agosto, no sistema planetário da estrela HD 10180, a 127 anos-luz da Terra - a superfície deve ser sólida e a atmosfera tem de ter a composição certa.
Se neste momento fosse descoberto um com as condições ideais, a tecnologia ainda não estaria à altura. "Nunca ficaríamos de braços atados. Acho que haverá uma grande mobilização, mas hoje não temos equipamentos que nos permitam dizer que numa atmosfera tão distante existe carbono e oxigénio", afirma Nuno Santos. Nas gavetas das missões espaciais há projectos para se partir à descoberta logo que haja um catálogo de planetas presumivelmente habitáveis, até ao momento em branco.
Seth Shostak, astrónomo do Instituto para a Procura de Vida Extraterrestre SETI, em São Francisco, está confiante. "Há muitos projectos à procura de vida no espaço. Acho que pelo menos uma dessas experiências trará algum resultado nos próximos 15 a 20 anos e sabermos então que aquilo que aconteceu na terra não é um milagre, mas um lugar-comum no cosmos." Jose Funes, o padre jesuíta e astrónomo do Vaticano que há dois anos aceitou a existência de vida fora da Terra, vê as oportunidades de reflexão para a humanidade. "Ainda há muitas questões em aberto: Será que a terra é única? Há vida lá fora? Será vida inteligente? Talvez nunca tenhamos resposta para todas estas perguntas, mas só o facto de a procurar permite conhecermo-nos melhor a nós próprios."
fonte: i online