sábado, 2 de outubro de 2010

Nova teoria afirma que Amazónia pré-colombiana foi populosa


Gravura do século XVIII mostra as diferentes tribos que habitavam o continente americano

Estima-se que a população amazónica pode ter chegado a 20 milhões de pessoas no período antes do descobrimento.

Esqueça a ideia de índios nómades percorrendo uma floresta praticamente inabitada. A Amazónia pré-colombiana era amplamente habitada, com aldeias muitas vezes mais populosas que as europeias. Havia enorme diversidade cultural e grandes redes de relações entre aldeias próximas aos rios Tapajós, Madeira, Solimões, por exemplo.

Este é o cenário - muito diferente do que foi pintado nos livros de história - que um grupo de arqueólogos de diversos países está conseguindo comprovar a partir de evidências em escavações e estudos na região. Fala-se em mais de 20 milhões de índios habitando a Amazónia antes da chegada de portugueses e espanhóis, (actualmente a população indígena do país é 460 mil pessoas) e que descarta a ideia tradicional de que se tratava de uma região virgem e inabitada.

Também era algo muito diferente do mito do Eldorado com suas cidades feitas de ouro que atraiam o descobridor ibérico. “Este era o modo de entender do colonizador. O que estamos fazendo é contar a história a partir da óptica do índio”, disse a investigadora da Universidade Estadual do Amazonas, Helena Lima. “O que sabemos é que estas populações eram muito mais complexas e numerosas e usavam técnicas de manejo bem sofisticadas”, completa.

Eduardo Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP e coordenador do projecto Amazónia Central, faz uma estimativa mais modesta: cerca de 5,5 milhões de pessoas vivendo na Amazónia pré-colombiana. “Antigamente falava-se em Amazónia como uma coisa só, mas o que vemos aqui é uma variabilidade cultural incrível, tanto de língua quanto de organização política e das aldeias”


Vista aérea de aldeia no Pará: região pode ter sido muito mais populosa do que se imaginava anteriormente

Actualmente a densidade demográfica na região amazónica é de uma a duas pessoas por quilómetros quadrados, sendo concentrada em poucas cidades como Iquitos (Peru), Manaus e Belém. O investigador colombiano Augusto Oyuela-Caycedo, professor da Universidade da Flórida, diz que antes da chegada dos europeus “provavelmente a população era de três a cinco pessoas por quilómetros quadrado, com povoados com não mais que cinco mil pessoas cada”.

Michael Heckenberger, também do departamento de Antropologia da Universidade da Florida, investigou áreas do Alto Xingu e fez uma estimativa de que viviam 50 mil índios em uma área de 20 mil quilómetros quadrados. “Isto consiste em uma população maior que de países da Europa de hoje”, disse.

De acordo com os estudos, as vilas do Alto Xingu eram 10 ou 15 vezes maiores do que as que existem hoje na região. A organização das vilas era composta por uma praça central e circular rodeada por tabas. “As casas formavam um anel perfeito ao longo da periferia da praça e eram cercadas por valetas com 2 quilómetros de comprimento”. De acordo com Heckenberger, no Alto Xingu, onde hoje há uma aldeia, existiam 12.

Em outras regiões do amazonas a configurações das aldeias eram diferentes, com aldeias lineares, voltadas para os rios. “Em relação à organização, elas não eram tribos, mas sociedades em estado incipiente, as evidências arqueológicas indicam um estado expansionista”, disse Oyuela.

Manejo da terra

Uma das provas destas grandes aglomerações e do desenvolvimento da civilização é a terra preta – mudanças na estrutura do solo que permitiam o cultivo. Os estudos mostraram que as plantações eram feitas em pequenas quantidades de terra, cercadas por grandes extensões de florestas. Helena explica que já naquela época se adicionava matéria orgânica e carvão queimado a altas temperaturas para melhorar a qualidade do solo amazónico.

Ela afirma que as grandes populações estavam concentradas na foz dos grandes rios. “Embora sejam exatamente estas as áreas que são mais estudadas”, diz. Nestas regiões observou-se a ocorrência da terra preta.

“Por muitos anos se pensou que a terra preta era resultado de fenómenos naturais como cinzas vulcânicas. A resistência à ideia de que a terra preta foi causada por seres humanos vêm de uma teoria de que a Amazónia era largamente inóspita para o desenvolvimento das sociedades humanas complexas com grandes aldeias”, diz Oyuela, que encontrou terra preta no Alto do Solimões, em 2005, próximo a cidade de Iquitos. A região chamada de Quistococha foi uma grande aldeia que ocupava até 20 hectares até o ano 900 d.C.

Helena afirma que mais de 90% das áreas habitadas hoje na região amazónica, está sobre sítios arqueológicos e as datações são de pelo menos 2 mil anos atrás. Segundo a investigadora, em regiões como o alto madeira há datações de terra preta de quatro mil anos atrás, no Médio Amazonas foram encontradas cerâmica e evidências de ocupações agrícola de mais dois mil anos e indícios de cultura nómade de oito mil anos atrás.

Práticas ambientais

Os investigadores concordam que os estudos da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Europa e EUA, mostram a importância da aprendizagem das práticas do passado dos povos indígenas na gestão da floresta para a produção de alimentos, remédios, madeira.“Os povos indígena têm sido bem sucedidos na administração da floresta e criou a maravilha que chamamos de Amazónia. É por isso que é importante aprender e aplicar as lições positivas destas civilizações, que foram negadas pela história ocidental, a mesma que nos colocou na crise climática e ecológica que temos actualmente”, conclui Oyuela.


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