segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Primeiro ensaio clínico de células estaminais embrionárias é boa notícia?


Enquanto a Geron testa a segurança do tratamento para a paralisia, a política norte-americana pode parar investigação nesta área.


O primeiro ensaio em humanos devidamente autorizado e controlado de uma terapia que usa células estaminais embrionárias - isoladas pela primeira vez há apenas 12 anos - iniciou-se esta semana, nos Estados Unidos. E, apesar de prometer muito, pode nem ser o princípio tão desejado de uma nova era, a da medicina regenerativa. Porque pode não ser um tratamento seguro, claro, mas também por causa dos meandros da política norte-americana e da influência que tem no avanço da ciência.

Não é de esperar muito - apenas se pretende verificar se a injecção destas células num local danificado da espinal medula é um procedimento seguro, não há ambição de curar o doente. A empresa Geron teve autorização da Food and Drug Administration (FDA, a agência que controla os medicamentos e os alimentos nos EUA) de injectar numa pessoa que ficou paralisada há menos de duas semanas milhões de células precursoras de oligodendrócitos.

Os oligodendrócitos são células do sistema nervoso que produzem mielina, substância que envolve os prolongamentos dos neurónios, protegendo-os como as capas de plástico coloridas protegem os fios eléctricos. Produzem também proteínas que ajudam os neurónios a sobreviver e a funcionar, pelo que, quando se perdem - como num traumatismo da espinal medula -, a paralisia é frequente.

As células usadas no ensaio clínico, conhecidas pela sigla GRNOPC1, só foram testadas em animais de laboratório, pela equipa de Hans Keirstead, cientista da Universidade da Califórnia em Irvine. Nos ratinhos, as melhorias foram significativas - tanto assim que, em Janeiro, a FDA deu luz verde ao ensaio em humanos. Mas as preocupações permaneceram, pelo que a FDA exigiu mais testes, para calcular as possibilidades destas células darem origem a tumores. Por isso, só em Agosto a Geron teve a autorização final para avançar.

Todos os cuidados são poucos: se algo correr mal, como já aconteceu em ensaios de terapias genéticas, este campo ainda nascente e promissor, mas também polémico, pode ser atirado muitos anos para trás.

As rivais adultas

Faz a 6 de Novembro 12 anos que a equipa de James Thompson, da Universidade de Wisconsin (EUA), anunciou ter conseguido isolar pela primeira vez células estaminais embrionárias humanas. Abria-se uma cornucópia de esperanças: estas células, que dão origem a todas as outras nos embriões, poderiam um dia ser usadas para tratar doenças hoje incuráveis, como a diabetes, a doença de Alzheimer, as paralisias - enfim, tudo o que pudesse beneficiar da criação de novos tecidos.

Mas, como são colhidas em embriões - o que implica a sua destruição -, estas células estão indissoluvelmente ligadas aos dilemas morais do aborto. Por tudo isto, têm ocupado nos media, na nossa consciência e na política, um espaço desmesurado.

Então, será que faz mesmo sentido avançar com este ensaio clínico? Ian Wilmut, o cientista escocês que coordenou a equipa que fez nascer o primeiro mamífero clonado - a ovelha Dolly, usando a técnica da transferência nuclear -, considerou esta "uma notícia muito excitante". Mas "é muito importante sublinhar que o objectivo é garantir que os pacientes não sofrem problemas".

"Iniciar o ensaio clínico é um marco para as terapias com base em células estaminais embrionárias", defende Thomas Okarna, presidente da Geron, uma das duas empresas americanas que mais têm apostado nas células colhidas nos embriões. A outra é a Advanced Cell Technologies - que também está à espera de autorização para iniciar um ensaio clínico, injectando 50 mil a 200 mil células estaminais embrionárias nos olhos de 12 pessoas que sofrem de distrofia macular de Stargardt, que leva à cegueira.

Mas a utilidade destes ensaios é posta em causa, sobretudo pelos defensores da investigação sobre outro tipo de células estaminais, as que se encontram nos tecidos adultos - no cérebro, na pele, na gordura até. Têm é um reportório de diferenciação muito mais reduzido do que as dos embriões. "A Geron está é a ajudar o preço das suas acções, não a ciência e muito menos os doentes. Passar-se-ão anos antes de existirem provas concretas sobre a segurança ou a eficácia [das células estaminais embrionárias]", disse ao The Washington Post David Prentice, do Family Research Council, um grupo de pressão da direita cristã norte-americana.Nos últimos cinco anos só 3,5 por cento do dinheiro gasto em investigação sobre células estaminais nos EUA foi canalizado para as que se encontram nos embriões, contabilizava um artigo no Christian Science Monitor. E isso pode ser uma perspectiva optimista: apesar de terem sido isoladas há muito menos tempo, as células estaminais embrionárias têm um tal potencial que "estão já a chegar à fase de ensaio clínico", comentou Richard Hynes, do Instituto de Tecnologia do Massachusetts, ao mesmo jornal.

Esta oposição entre células embrionárias e dos tecidos adultos, que corporiza também uma guerra política nos EUA - entre os opositores ao aborto e os que o toleram - transformou-se numa guerra nos tribunais, desencadeada por uma queixa apresentada por dois cientistas que trabalham com células estaminais adultas. Após vários recursos dos cientistas e do Governo federal, a decisão está nas mãos do juiz Royce Lamberth, que pode pronunciar-se este mês.

fonte: Público

Sem comentários:

Enviar um comentário