quinta-feira, 2 de maio de 2013

E 128 anos depois, podemos ouvir a voz de Bell


Disco de cera com a gravação de Alexander Graham Bell
RICHARD STRAUSS/NMAH, SI


Pormenor do disco de cera com a data da gravação e as iniciais de Bell
RICHARD STRAUSS/NMAH, SI


Bell a telefonar para Boston a partir de Nova Iorque, em 1892
GILBERT H. GROSVENOR COLLECTION/LIBRARY OF CONGRESS


O som e a sua ausência estão estreitamente ligados à vida de Alexander Graham Bell, o homem que pôs a humanidade a falar à distância, sem sair de casa, quando criou o telefone. Ele que, mais do que inventor, se via como um professor dos surdos, a quem queria dar a fala, gravou as suas próprias palavras num disco de cera, a 15 de Abril de 1885. Passados 128 anos, uma equipa de cientistas conseguiu devolver-nos a sua voz.


“Em jeito de testemunho, oiçam a minha voz, Alexander Graham Bell.” É assim que termina a gravação centenária com quatro minutos e 52 segundos em que o inventor de origem escocesa começa por fazer uma contagem de números de forma sistemática: um, dois, três e por aí adiante. A gravação pertence ao Museu Nacional da História da América, que faz parte do Instituto Smithsonian, na cidade de Washington.

“Identificar a voz de Alexander Graham Bell – o homem que nos trouxe a voz de todas as outras pessoas [pelo telefone] – é um grande momento no estudo da história”, disse John Gray, director do museu. “Além de vir ajudar-nos a identificar outras gravações, esta descoberta também enriquece aquilo que sabemos acerca dos finais do século XIX – quem falou, o que diziam, e como diziam – e aquilo que foi o período formativo de experimentação no som.”

Já era conhecida uma transcrição desta gravação, uma das 200 primeiras gravações de áudio, que são provenientes do laboratório Volta, onde Alexander Graham Bell trabalhava, em Washington. No meio da colecção, existia um papel onde estava escrito o que Bell disse na gravação, incluindo a data da gravação. Recentemente, os investigadores descobriram um disco de cera onde estava inscrita esta data e as iniciais de Bell.

A cera foi dos primeiros materiais a serem utilizados para gravar sons. Havia cilindros de cera para serem lidos em gramofones. Este disco é mais simples, tem uma base de cartão e por cima do cartão tem uma película de cera onde o som é gravado. Hoje, o disco de Bell está degradado, apresentando várias fracturas na cera, produzidas ao longo de décadas. Mas o som foi resgatado através de uma tecnologia óptica não invasiva criada pelo Laboratório de Berkeley, em 2002, que participa neste projecto com o museu e com a Biblioteca do Congresso.

A tecnologia óptica permite criar um mapa digital com grande resolução do disco de cera. Neste mapa estão todos os sulcos existentes no disco de cera que foram gravados por Bell e a partir dos quais se reproduzia o som da sua voz. O mapa foi tratado para retirar os sinais de uso e as partes danificadas. Com o que restou, a equipa utilizou um programa de computador que recria o movimento que a agulha faria ao passar por estes sulcos. Desta forma, o programa pode “adivinhar” com muita precisão que som sai da gravação.

“Naquela declaração com zumbido, oiço a clara dicção de um homem cujo pai, Alexander Melville Bell, foi um aclamado professor de elocução”, escreve Charlotte Gray, num artigo da revista Smithsonian. A escritora do Canadá e autora da biografiaReluctant Genius: The Passionate Life and Inventive Mind of Alexander Graham Bell, de 2006, fez uma investigação alargada sobre o inventor e chegou até a falar com a sua neta, Mabel Grosvenor, que em 2004 tinha 99 anos e morreu dois anos depois.

“Também oiço a enunciação deliberada de um marido dedicado cuja mulher, Mabel, era surda e [comunicava] lendo nos lábios. E como disse a sua neta, no discurso de Bell está a entoação inequívoca das ilhas britânicas”, acrescentou a autora.

Alexander Graham Bell nasceu a 3 de Março de 1847 em Edimburgo, na Escócia, e morreu a 2 de Agosto de 1922, em Beinnn Bhreagh, na Nova Escócia, no Canadá, onde viveu a partir dos 23 anos, partilhando o tempo com estadias anuais nos Estados Unidos. Pelo meio, registou 18 patentes em nome próprio e 12 partilhadas. Algumas destas patentes foram pelos seus desenvolvimentos no telégrafo e no fonógrafo. Mas também teve patentes graças a desenvolvimentos nos veículos aéreos ou em protótipos de hidroaviões. A patente do telefone, em 1875, fez parte de uma grande competição com outros inventores na corrida pela invenção deste aparelho.

Esta é apenas uma mostra da variedade de interesses de Bell, que foi ainda autor de uma máscara para ajudar pessoas a respirar, do audiómetro para detectar problemas ligeiros de audição, um aparelho para detectar icebergues. O inventor e também cientista fez ainda investigações para separar o sal da água salgada e trabalhou sobre combustíveis alternativos, chegando a propor a produção de painéis solares. Segundo a biografia de Charlotte Grey, Bell lia vorazmente na cama aEnciclopédia Britânica à procura de novas áreas de interesse.

Mas uma das principais actividades a que se dedicou foi ensinar os surdos a falar, chegando a inventar métodos de ensino. No século XIX, muitas pessoas ficaram surdas depois de terem contraído doenças graves como a escarlatina. Apesar de deixarem de ouvir, mantinham a capacidade de falar.

Bell deparou-se toda a vida com o problema da surdez. O pai de Bell foi professor e investigador da fisiologia da fonética e foi devido a este trabalho que conheceu a mulher e futura mãe do inventor, Eliza Grace Symonds Bell, que era parcialmente surda. A futura mulher de Bell também era surda. Mabel Gardiner Hubbard, uma década mais nova do que inventor, ficou marcada para sempre aos cinco anos, depois de ter tido escarlatina. Graham Bell conheceu-a ainda adolescente, enquanto professor dela, e casaram-se em 1877.

Bell defendia os direitos das mulheres e abominava o preconceito racial. Mas fez parte do movimento eugenista dos Estados Unidos que promoveu leis de controlo de natalidade em muitos estados norte-americanos.

Até ao fim, defendeu a força da experiência e a importância do pensamento. “Estamos demasiado inclinados, acho, a caminhar pela vida com os olhos fechados… Não devemos andar para sempre na estrada, repetindo o caminho que outros já fizeram; de vez em quando devemos sair deste caminho batido e entrar na floresta. Cada vez que fazemos isso, vamos de certeza encontrar algo que nunca tínhamos visto… É preciso perseguir isso, explorar tudo à volta; uma descoberta vai levar à próxima, e antes de nos apercebermos temos algo em mãos em que vale a pena pensar, porque todas as grandes descobertas são o resultado do pensamento”, escreveu num artigo em 1918.

É esta voz que se pode ouvir agora. Charlotte Gray descreve-a: “Vigorosa e decidida – como o inventor, que por fim fala connosco através dos anos.”

fonte: Público

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