domingo, 24 de julho de 2011

Fenómeno de Fátima foi o resultado do seu tempo e da propaganda da Igreja


“Fátima tem a dimensão que tem porque foi aproveitada pela Igreja e propagandeada pelo mundo todo”, defende o autor.

O escritor Luís Filipe Torgal apresentou sábado, 16 de Julho, no Museu Municipal de Ourém o seu livro “O Sol Bailou ao Meio Dia”, uma análise do fenómeno de Fátima. Integrada na rubrica “Acontece no Museu”, a sessão deu a conhecer ao público uma visão dos factos sociais e económicos que rodearam as Aparições de 1917 e que permitiram que Fátima assumisse uma dimensão mundial. Luís Filipe Torgal distancia-se da análise factual do fenómeno, referindo apenas que Fátima foi o resultado da sua época histórica e da exposição mediática do fenómeno realizada posteriormente pela Igreja.

O autor e académico começou por dizer que Fátima é um elemento essencial para entender a Primeira República (1910 - 1926). Para perceber todo o fenómeno em torno desta cidade do concelho de Ourém “tem que se olhar para os dois lados, a forma católica e a forma republicana”. Luís Filipe Torgal não se limitou a estudar apenas os documentos da época, mas também os interrogatórios aos três pastorinhos, as memórias da Irmã Lúcia e a chamada literatura fatimista. “O meu objectivo não é dizer que Fátima foi ou não uma farsa. Essa questão não me interessa. Como historiador pretendo analisar a questão com objectividade”.

O autor referiu primeiro o chamado Milagre do Sol, a 13 de Outubro de 1917, que foi o momento que deu efectivo “sucesso” à questão de Fátima. “O sol bailou de facto ou foi um fenómeno meteorológico? Há ainda quem aponte que poderão ter sido OVNIS”. Luís Filipe Torgal acaba por concluir que o artigo escrito pelo jornalista do jornal “O Século”, em que este referia que o sol havia bailado em Fátima, foi “reproduzido até à exaustão, sobretudo pela Igreja”, esquecendo-se outros artigos de jornalistas que também estiveram no local e que questionaram o fenómeno, assim como depoimentos que o negaram.

“Em 1917 a República começava a perder força e houve um reforço do catolicismo”, comentou, lembrando que a Igreja também viria a reagir às violentas leis de separação da Igreja do Estado impostas pela Primeira República. “É preciso que a gente relacione esta ambiência. Era um período de uma guerra violentíssima que vai agravar mais a situação do país. Fátima surge num ambiente quase de fome, peste e guerra”.

O autor lembrou ainda que todo o país tem uma longa história de aparições marianas e que só entre 1916-1918 foi registada uma dezena, em que a questão da guerra era comum. “É dito que Fátima se impôs à Igreja. Não concordo! Conseguimos encontrar vários argumentos de que foi a Igreja que impôs Fátima”.

Mensagem de Fátima foi evoluindo

“Não sou dos que dizem que Fátima foi uma farsa”, salientou. Mas este “foi um fenómeno de religiosidade popular que surge neste contexto de guerra, instabilidade política, fome”. “Acho que depois vai haver aqui é um grande aproveitamento, porque a Igreja a certa altura vai mediar o caso. Por isso é que este fenómeno vingou e os outros não”, acabando aqueles por se resumir aos tradicionais locais de romaria e arraial. “A partir de Outubro a imprensa católica começa a dar outra dimensão ao caso”.

Como provas de que a Igreja tomou as rédeas da questão de Fátima, o autor destaca que a partir de 1919 os terrenos em torno do local das aparições começaram a ser comprados e cercados pela diocese, afastando-se do espaço de culto as romarias, os locais de comida e bebida. A interferência da Igreja é sentida até na chamada “mensagem de Fátima”. Luís Filipe Torgal comentou que em 1917 a mensagem resumia-se apenas à guerra. “É preciso rezar o terço para acabar a guerra. Nem sequer há segredo”, afirmou.

Já nos anos 30, após o bispo ter pedido à Irmã Lúcia que escrevesse as suas memórias, a religiosa fala pela primeira vez no comunismo. “Até aí não havia uma única referência à conversão da Rússia”, sendo que estas memórias surgem no tempo do Estado Novo, quando se combatiam os ideais do comunismo.

Após algum diálogo com o público, em que se juntaram mais factos à investigação do autor, este concluiu que “a história de Fátima tem sido mal esclarecida à opinião pública, tendo sido sempre quase um tabu”. “Fátima tem a dimensão que tem porque foi aproveitada pela Igreja e propagandeada pelo mundo todo”, concluiu.

fonte: O Mirante

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