domingo, 24 de julho de 2011

Ciganos são heterogéneos e diferenciam-se entre si


Tradições culturais variam consoante os grupos

“É preciso desmontar preconceitos!”, alerta investigadora

Com maior ou menor intensidade, os ciganos continuam a ser vítimas de preconceitos e a ser estigmatizados pelos não ciganos, um pouco por todo o lado, dando-se assim azo a um afastamento e falta de interacção. Contudo, esta realidade também existe dentro da própria comunidade cigana, que é “muito heterógenea”, sendo que há grupos que se diferenciam entre si e negam a autenticidade da identidade cigana a outros.

Este cenário foi registado por Lurdes Nicolau, doutoranda da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), que nos últimos cinco anos investigou a vida de pessoas de etnia cigana, nomeadamente no concelho de Bragança. Neste estudo, a também professora de ensino básico propôs-se “a conhecer o grupo étnico cigano que maioritariamente se encontra em Trás-os-Montes e compreender a interacção que o mesmo estabeleceu com a população maioritária, tanto no meio local -urbano e rural -, como no que concerne à instituição escola”.

Em declarações ao «Ciência Hoje», Lurdes Nicolau explicou que este estudo surgiu depois de ter constatado que “os ciganos de Pamplona [onde deu aulas a crianças desta etnia] eram diferentes dos que conhecia em Trás-os-Montes”. Ao investigar sobre o assunto, deparou-se com “a inexistência de bibliografia científica acerca dos ciganos desta região portuguesa”, pelo que decidiu “inteirar-se da situação e perceber qual a situação do nordeste transmontano”.


Lurdes Nicolau

Esta foi também uma forma que a aluna da UTAD encontrou para “’desomogeneizar’ os ciganos de Portugal”, na medida em que eles são diferentes entre si. “Não vamos generalizar. Devemos tratá-los como indivíduos e não como um só grupo”, alertou. “Temos preconceitos e criamos estereótipos. Também os tinha quando comecei a contactar com eles, mas há de tudo. Se os excluirmos, cada vez ficam mais excluídos, pelo que é preciso desmontar preconceitos acerca deles”, disse ainda.

Gitanos e Chabotos

Esta investigação permitiu verificar que, em Trás-os-Montes, há dois grupos que se auto-diferenciam entre si, através de aspectos culturais, religiosos, económicos, físicos, morais e linguísticos. Trata-se dos Gitanos, grupo maioritário e que corresponde aos feirantes, e dos Chabotos, que outrora eram “’ambulantes’”. São estas as denominações que cada um dos grupos atribui ao outro, sendo que ambos se auto-denominam ciganos.

De acordo com Lurdes Nicolau, nenhum deles reconhece o outro como cigano, não havendo assim qualquer tipo de interacção. “Pelo contrário, as fronteiras estão bem demarcadas, de forma que locais frequentados por uns são evitados pelos outros”, reforçou. Além disso, atribuem características distintas aos demais. “Os Gitanos são muito agressivos, de acordo com os Chabotos. Já estes são muito sujos, de acordo com os primeiros”, exemplificou.


Aspecto das barracas e casas degradadas

Nesta zona transmontana também foi identificado outro grupo de ascendência cigana: os caldeireiros. “Devido à falta de elementos no seio do próprio grupo, casaram com aldeanas e, na actualidade, perderam ou omitem os elos com os seus ancestrais. Também eles eram ‘ambulantes’ e desenvolveram um dialecto que denominam ‘latim’ e, segundo os mesmos, difere do que falam os Chabotos e os Gitanos”, explicou a investigadora.

Do meio urbano ao rural

Os ciganos que hoje vivem nos meios urbano e rural eram, até há 30 anos, do mesmo grupo. Segundo a professora, “quando começaram a sedentarizar-se é que se separaram”, vivendo agora em realidades distintas.

Aqueles que vivem nos três bairros urbanos estudados, enfrentam “condições de extrema pobreza” e “vivem isolados nos bairros, sem relações inter-culturais e sociais”. Contudo, Lurdes Nicolau sublinhou que esta realidade não deve ser generalizada e corresponde apenas ao foco do seu estudo, podendo por isso haver outros ciganos do meio urbano que vivem noutros moldes. “Há alguns com boas condições, não vamos tipificar”, sendo que ela própria é conhecedora de exemplos disso.

Nas aldeias, as condições sócio-económicas são também precárias, mas “algumas casas são razoáveis”. No entanto, alguns ciganos estão bem integrados.


Alunos de etnia cigana numa escola de Bragança

“Numa das aldeias, dos nove agregados estudados, seis eram mistos, o que é sinal de interacção e integração”, afirmou, sublinhando que noutras localidades já eram excluídos, pelo que ciganos e não ciganos tinham o seu próprio espaço, “não se misturando”.

Quanto à escola, Lurdes Nicolau constatou “o que se verifica ao nível nacional e internacional”, disse, explicando que “no ensino básico há uma grande concentração de alunos de etnia cigana, mas a partir daí os números baixam, dados o abandono escolar e o absentismo muito altos”. Para demonstrar a discrepância relativamente à restante população, a investigadora referiu que, em Bragança, o insucesso escolar dos alunos ciganos está estimado em 45 por cento, enquanto a taxa para os restantes alunos é de 1,7 por cento.


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