Criança com cancro
Comissão Europeia aprovou tratamento que duplica sobrevivência no melanoma avançado
Alexander Eggermont, director do Instituto Gustave Roussy, em Paris, começa por dizer que a novidade do ipilimumab não tem a ver com o melanoma, a forma de cancro de pele mais mortal. Esta semana a Comissão Europeia aprovou o medicamento para o tratamento de segunda linha da fase avançada deste cancro, ou seja, para doentes com metástases em vários órgãos e que não reajam a nenhuma terapêutica. "É um anticorpo que consegue modular a resposta imunitária face aos tumores e mantê-la activa. Hoje sabemos que funciona contra o melanoma, que é apenas um entre os tumores candidatos. O que interessa é que conseguimos modular a resposta imunitária contra qualquer cancro."
Para Eggermont, que apresentou o medicamento numa conferência de imprensa em Paris, este tratamento, que agora fica disponível a nível europeu, depois de em Março ter sido aprovado pela FDA nos Estados Unidos, inaugura uma nova era na chamada imunoterapia, uma abordagem clínica que tenta estimular o sistema imunitário natural através de moléculas sintéticas. A grande novidade foi publicada o ano passado na revista científica "The New England Journal of Medicine", mas é o corolário de um trabalho de 35 anos, algo que Eggermont considera particularmente interessante por ser o primeiro grande avanço clínico numa área em que não se viam novidades clínicas há quase tanto tempo como o que durou a pesquisa.
O medicamento permite duplicar a sobrevivência a um ano nos doentes com melanoma avançado, de 23,5% para 45,6%, e conseguiu, nos primeiros doentes tratados há quatro anos, manter uma sobrevivência estável na ordem dos 25%, independente da idade, sexo ou de o cancro estar associado a uma mutação genética no gene BRAF, algo que acontece em metade dos casos. Na base do ipilimumab está o conceito de anticorpo monoclonal, a técnica desenvolvida nos anos 70 para replicar anticorpos humanos destinados a alvos moleculares específicos, ideia que valeu a Niels Jerne, Georges Köhler e César Milstein o prémio Nobel da Medicina em 1984. Neste caso, o que os investigadores desenvolveram foi uma molécula, também conhecida por MDX-010, que reconhece uma proteína específica com um papel importante no sistema imunitário: ajuda a equilibrar a produção de células T, os soldados que vão atacar invasores (vírus ou células cancerígenas), para que se de- senvolvam apenas os anticorpos necessários e o corpo adquira memória imunitária, em vez de aumentar de tal forma os anticorpos que podem surgir doenças autoimunes. O problema, explica Eggermont, é que no caso do cancro a resposta imunitária normal não é suficiente. Depois de uma activação artificial do sistema imunitário, já conseguida noutras abordagens da imunoterapia, como o uso de interferão, por exemplo, na hepatite, ou de outros anticorpos em tumores linfóides ou no cancro da mama, havia uma tendência natural para a resposta imunitária ser suprimida, graças então ao papel dessa proteína-travão chamada CTLA-4. "O que este medicamento faz é travar essa inibição: inibe o inibidor", diz o especialista. Assim, aumenta-se de forma mais sustentável a activação e a proliferação das células T e os tumores e metástases tendem a diminuir perante o ataque continuado, como demonstraram os ensaios clínicos que levaram à aprovação do medicamento.
Neste momento estão em curso ensaios clínicos para o uso da mesma molécula em fases avançadas do cancro do pulmão, do pâncreas e da próstata ou em doentes com grandes probabilidades de desenvolver metástases. Apesar de os resultados ainda não serem conhecidos, os resultados preliminares de um ensaio clínico para doentes com cancro da próstata metastizado, divulgados em 2009, revelaram melhorias significativas no estado de saúde de um quinto dos participantes.
Além da Bristol-Myers Squibb (BMS), que agora passará a comercializar este medicamento também na Europa, a Pfizer tem em estudo uma molécula semelhante, com o mesmo alvo. Para já, contudo, o único tratamento disponível é este, destinado a doentes em fases avançadas de melanoma. Passa por quatro infusões, num espaço de três meses, que produzem efeitos a longo prazo mas podem envolver efeitos secundários graves do foro imunitário, como problemas do tracto intestinal, do tubo digestivo e do fígado. A farmacêutica diz que, embora tenha havido sequelas fatais, poucas são crónicas. Foi criado um website onde os médicos que pretendam iniciar o tratamento nos seus doentes têm apoio 24 horas por dia para saber como actuar quando reportam efeitos adversos. Caroline Robert, também do Instituto Gustave Roussy, onde foram realizados parte dos ensaios clínicos na Europa, explica que a grande vantagem deste medicamento tem sido o efeito duradouro observado e haver a garantia de que pelo menos em alguns doentes funciona, quando até aqui os 25% que sobreviviam ao primeiro ano eram quase um milagre. "Dizemos sempre que um doente não é uma estatística, mas estatisticamente as abordagens até aqui não funcionavam. Não podemos ainda falar de cura, mas com este tipo de resposta esperamos curar alguns doentes."
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