Reconstituição de um grupo de Neandertais
Depois de terminada a longa controvérsia sobre se havia dentro de nós um pouco de Neandertal — sim, há, concluiu-se em Maio do ano passado —, a discussão passou para outro nível. Que influências deixaram ao certo nos nossos genes os Neandertais, que se extinguiram há 28 mil anos, na Península Ibérica? O que se está a concluir, segundo um estudo na revista Science, é que ficámos com um sistema imunitário mais forte. Portanto pode dizer-se que o sexo com eles foi bom para nós, em geral.
A discussão tornou-se mais complexa quando, em Dezembro, se revelou um grupo de humanos até aí desconhecido — os denisovanos —, que viveram entre há 30 a 50 mil anos na Sibéria e Sudeste asiático e que também se reproduziram com a nossa espécie, os humanos modernos. Além dos Neandertais, que terão deixado um contributo de até quatro por cento no nosso genoma, herdámos ADN dos denisovanos, que chega aos seis por cento nalgumas populações actuais.
Agora, a equipa de Peter Parham, da Universidade de Stanford, nos EUA, quis determinar as heranças desses tempos coloridos entre nós, os Neandertais e os denisovanos, centrando as atenções num grupo de genes importante na defesa contra a invasão de vírus e outros agentes patogénicos. São os genes do sistema HLA.
Os três grupos de humanos partilharam um antepassado em África, mas as suas linhagens divergiram há 400 mil anos.
Os Neandertais surgiram há 300 mil anos, na Europa e no Médio Oriente. Os denisovanos espalharam-se pelo Sudeste asiático, ainda que só se tenha encontrado uma falange e um dente deles, na gruta Denisova, na Sibéria. E os humanos modernos saíram de África há 60 mil anos, avançaram pela Eurásia e foram-se encontrando com Neandertais e denisovanos.
Fizeram a guerra, sem dúvida. Mas, reforçando as conclusões de outros cientistas, a equipa de Parham encontrou em genes do sistema HLA provas de que também fizeram amor.
Por exemplo, há uma variante genética rara nas populações africanas actuais, mas que é frequente em quem é do Sudoeste asiático e que, muito provavelmente, terá sido herdada dos denisovanos. Outra está ausente nos africanos de hoje, mas é comum no Sudeste asiático, na Oceânia e Papuásia-Nova Guiné. Também algumas variantes do ADN extraído dos Neandertais são comuns entre europeus e asiáticos, mas raras nos africanos.
“Variantes dos genes HLA nos Neandertais e denisovanos tinham-se adaptado à vida na Europa e Ásia, enquanto os migrantes africanos recentes [os humanos modernos] não as tinham. Obtê-las pelo acasalamento teria sido vantajoso”, realçou Parham à BBC.
Mas alguns de nós, sugere a equipa, pagaram o preço das doenças auto-imunes, como a artrite reumatóide, em que o sistema imunitário se vira contra o próprio organismo, atacando-o.
Se essas variantes nos deram vantagens, não evitaram a extinção aos Neandertais e denisovanos, o que Parham compara com a conquista do continente americano pelos europeus: “No início, havia pequenos grupos, que passaram tempos difíceis e se tornaram amigos dos nativos. Assim que se estabeleceram, apoderavam-se dos seus recursos e eliminavam-nos. A experiência moderna reflecte o passado e vice-versa.”
fonte: Público
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