O lince-ibérico convivia com mamutes há 1,6 milhões de anos
Crânio de felino foi descoberto em 2003 numa gruta na Catalunha. Isolamento peninsular e especialização alimentar nos coelhos estão na origem da espécie.
Quando o Centro e o Norte da Europa eram moradas muito mais geladas, durante os períodos glaciares que a Terra começou a ter de há 2,6 milhões de anos para cá, a Península Ibérica tornou-se um dos refúgios do Sul da Europa onde o clima era mais clemente para os animais. O antepassado do lince-ibérico terá sido uma das muitas espécies que acabou por vir parar a este território e, com o tempo, evoluiu para a espécie que hoje conhecemos.
Não se sabe exactamente o momento do aparecimento deste felino, que hoje está ameaçado de extinção. Os estudos moleculares dos últimos anos estimam que terá surgido há cerca de 1,8 milhões de anos. Agora, uma equipa de investigadores deu um passo mais concreto no estudo evolutivo desta espécie. Um fóssil de um crânio encontrado há mais de dez anos numa gruta da Catalunha foi finalmente analisado e revelou pertencer a um lince-ibérico com 1,6 milhões de anos, conclui um artigo publicado agora na revista científica Quaternary Science Reviews.
Este é o mais antigo fóssil de lince-ibérico que se descobriu até agora. Antes, os fósseis mais antigos desenterrados tinham cerca de 1,1 milhões de anos. A nova descoberta aproxima-nos do momento de origem desta espécie carismática e pode dar informação importante para a sua conservação.
O lince-ibérico (Lynx pardinus) é um pequeno felino hoje endémico da Península Ibérica com cerca de um metro de comprimento, castanho e pintalgado, com focinho farfalhudo e orelhas que terminam em pêlos compridos. A sua presa predilecta é o coelho. Mas a caça ao lince, a fragmentação do habitat e as doenças que têm afectado as populações de coelhos puseram o felino à beira da extinção, restando apenas duas pequenas populações no Sul de Espanha. Nos últimos anos, Portugal e, principalmente, Espanha, têm feito esforços para recuperar as populações deste animal.
O novo fóssil foi encontrado na gruta Avenc Marcel, perto de Barcelona, em Espanha, juntamente com fósseis de outros animais como lobos, raposas, mamutes, rinocerontes, equídeos, veados, cabras e roedores.
“Alguns vestígios de um [fóssil de] lince foram encontrados em escavações em 1991”, conta ao PÚBLICO Alberto Boscaini, um dos autores do artigo, da Universidade Autónoma de Barcelona. Mas com esses vestígios não foi possível definir a espécie a que pertenciam. Só com o crânio, descoberto em 2003, foi possível concluir que se estava na presença do Lynx pardinus. Uma crista óssea ao longo do crânio, mais pequena do que a que existe nas outras espécies de lince, foi uma das características que ajudaram a chegar a esta conclusão.
“Esta descoberta é importante porque recua a origem do lince-ibérico em cerca de 500.000 anos em relação ao que se conhecia anteriormente. E clarifica onde e como é que a espécie surgiu”, explica o cientista. “Aquela era uma época com profundas flutuações entre períodos glaciares e períodos interglaciares. Durante as fases glaciares, a Península Ibérica (assim como a Itália e a Grécia) tornou-se um refúgio para a fauna e a flora. A população de Lynx issiodorensis [lince-de-issoire, hoje extinto] manteve-se isolada durante um ou mais períodos glaciares, e mais tarde transformou-se numa nova espécie: o lince-ibérico.”
Coelhos e conservação
O lince-ibérico é uma versão mais pequena do que o seu antepassado. E tem os dentes pré-molares maiores, o que resulta de uma adaptação à caça ao coelho. “Observando a anatomia craniana, sugerimos que o lince-ibérico desenvolveu uma rápida dependência do coelho-ibérico. Hoje esta dependência é muito alta”, refere Alberto Boscaini.
Esta forte adaptação à caça de coelhos, que definiu esta espécie, é para aquele cientista uma informação importante para a conservação actual do felino: “Para nós, a superespecialização actual do Lynx pardinus numa dieta estrita, baseada nosLagomorpha [ordem onde se incluem os coelhos e as lebres] e noutras presas pequenas, é semelhante à dieta original. Será difícil que ele altere agora a sua dieta, por isso a abundância dos coelhos é uma exigência necessária para a sua conservação.”
Entre 2002 e 2015, a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) colocava o lince-ibérico como uma espécie em perigo crítico de extinção. Estima-se que em 1950 existiam 5000 animais. Mas ao longo das décadas seguintes, a população foi decaindo, atingindo um mínimo em 2001, com uma população de 52 indivíduos em idade de reprodução. Hoje, há 156 linces adultos num habitat natural de 1040 quilómetros quadrados, uma área que triplicou em relação a anos anteriores.
Por isso, a IUCN decidiu recolocar em 2015 a espécie numa categoria de conservação um pouco menos preocupante. “Como resultado do aumento de população, o lince-ibérico não está mais no estatuto de perigo crítico de extinção e é recolocado no estatuto em perigo de extinção”, lê-se na página da IUCN para esta espécie. “A melhoria de estatuto deve-se a acções intensivas de conservação que continuam a decorrer.”
Um programa coordenado entre Espanha e Portugal, que desde 2009 possui o Centro Nacional de Reprodução do Lince-Ibérico, em Silves, tem reintroduzido o felino na natureza em várias regiões da Península Ibérica. Desde 2014, já se introduziram vários linces-ibéricos em território português. Hoje existem 11, nove deles fixados no Vale do Guadiana, em Mértola. Um dos maiores problemas são os atropelamentos. Ainda neste mês de Outubro, o macho Hongo, de quatro anos e nascido em Espanha, foi encontrado morto numa auto-estrada no distrito de Santarém.
fonte: Público
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