O ALMA observou estrelas como o Sol numa fase muito inicial da sua formação e descobriu traços de isocianato de metilo — um bloco constituinte de vida. Esta é a primeira vez que se detecta esta molécula prebiótica em protoestrelas do tipo solar, isto é estrelas do tipo da protoestrela que deu origem ao Sol e consequentemente ao Sistema Solar. Esta descoberta ajuda os astrónomos a perceber melhor a origem da vida na Terra.
Duas equipas de astrónomos utilizaram o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) instalado no Chile para detectar a molécula orgânica complexa prebiótica de isocianato de metilo [1] no sistema estelar múltiplo IRAS 16293-2422. Uma das equipas foi liderada por Rafael Martín-Doménech, do Centro de Astrobiología de Madrid, Espanha, e por Víctor M. Rivilla, do INAF-Osservatorio Astrofisico di Arcetri, Florença, Itália, e a outra foi liderada por Niels Ligterink do Observatório de Leiden, Holanda e por Audrey Coutens do University College London, Reino Unido.
“Este sistema estelar não pára de nos surpreender! Depois da descoberta dos açúcares, descobrimos agora isocianato de metilo. Esta família de moléculas orgânicas está ligada à síntese de péptidos e aminoácidos, os quais formam, sob a forma de proteínas, a base biológica da vida tal como a conhecemos,” explicam Niels Ligterink e Audrey Coutens [2].
As capacidades do ALMA permitiram às duas equipas observar esta molécula ao longo do espectro rádio, a vários comprimentos de onda diferentes e bem característicos [3]. As equipas descobriram as impressões digitais químicas únicas desta molécula nas regiões internas densas do casulo de gás e poeira que rodeia as estrelas jovens nas suas fases mais iniciais de evolução. Cada equipa identificou e isolou as assinaturas da molécula orgânica complexa de isocianato de metilo [4]. Seguidamente fizeram-se modelos químicos de computador e experiências em laboratório com o intuito de compreendermos ao máximo a maneira como esta molécula se forma [5].
O IRAS 16293-2422 é um sistema múltiplo de estrelas muito jovens situado a cerca de 400 anos-luz de distância na enorme região de formação estelar Rho Ophiuchi, na constelação do Ofiúco ou Serpentário. Estes novos resultados do ALMA mostram que gás de isocianato de metilo rodeia cada uma destas estrelas jovens.
A Terra e os outros planetas do nosso Sistema Solar formaram-se a partir de material que restou da formação do Sol. O estudo de protoestrelas do tipo solar pode, por isso, abrir aos astrónomos uma janela para o passado, permitindo-lhes observar condições semelhantes àquelas que levaram à formação do nosso Sistema Solar há cerca de 4,5 mil milhões de anos atrás.
Rafael Martín-Doménech e Víctor M. Rivilla, autores principais dum dos artigos científicos que descreve estes resultados, comentam: ”Estamos particularmente entusiasmados com estes resultados porque estas protoestrelas são muito semelhantes ao Sol no início da sua vida, apresentando o tipo de condições propícias à formação de planetas do tamanho da Terra. Ao encontrarmos moléculas prebióticas, temos agora outra peça do puzzle que é compreender como é que a vida começou no nosso planeta.”
Niels Ligterink está muito contente com os resultados complementares de seguimento feitos em laboratório: “ Para além de detectarmos moléculas, queremos também compreender como é que elas se formam. As nossas experiências laboratoriais mostram que o isocianato de metilo pode efectivamente formar-se em partículas geladas sob condições de frio extremo, semelhantes às encontradas no espaço interestelar, o que implica que esta molécula — e por conseguinte, a base das ligações dos péptidos — tem efectivamente uma grande probabilidade de estar presente próximo da maioria das estrelas jovens do tipo solar.”
Notas
[1] Uma molécula orgânica complexa define-se em astroquímica como sendo constituída por seis ou mais átomos, sendo pelo menos um dos átomos de carbono. O isocianato de metilo contém átomos de carbono, hidrogénio, azoto e oxigénio na configuração química CH3NCO. Estas substância muito tóxica foi a causa principal de morte no seguimento do trágico acidente industrial de Bhopal em 1984.
[2] Este sistema foi estudado anteriormente com o ALMA, tendo na altura sido descobertas moléculas de açúcar simples, glicoaldeído, outro ingrediente da vida.
[3] A equipa liderada por Rafael Martín-Doménech utilizou novos dados de arquivo da protoestrela, obtidos ao longo de um grande domínio de comprimentos de onda dos receptores das Bandas 3, 4 e 6 do ALMA. Niels Ligterink e colegas usaram dados do rastreio PILS do ALMA (Protostellar Interferometric Line Survey), o qual pretende mapear a complexidade química do IRAS 16293-2422 ao obter imagens, em pequenas escalas — correspondentes ao tamanho da nosso Sistema Solar — em todo o domínio de comprimentos de onda coberto pela Banda 7 do ALMA.
[4] As equipas analisaram espectros da radiação da protoestrela no intuito de determinar os seus componentes químicos. A quantidade de isocianato de metilo detectada — a abundância — relativamente ao hidrogénio molecular e a outros indicadores, é comparável a detecções anteriores feitas em torno de duas protoestrelas de elevada massa (no seio dos massivos núcleos moleculares quentes de Orion KL e Sagittarius B2 Norte).
[5] A equipa de Martín-Doménech fez modelos químicos da formação de gás/grãos de isocianato de metilo. A quantidade de moléculas observada pode ser explicada pela química existente na superfície dos grãos de poeira no espaço, seguida de reações químicas na fase gasosa. Adicionalmente, e por meio de experiências executadas em vácuo criogénico profundo no seu laboratório em Leiden, a equipa de Ligterink demonstrou que esta molécula se pode formar às temperaturas extremamente frias do meio interestelar, até temperaturas tão baixas como cerca de 15 K (-258º Celsius).
Informações adicionais
Este trabalho foi apresentado em dois artigos científicos intitulados “First Detection of Methyl Isocyanate (CH3NCO) in a solar-type Protostar” de R. Martín-Doménech et al. e “The ALMA-PILS survey: Detection of CH3NCO toward the low-mass protostar IRAS 16293-2422 and laboratory constraints on its formation”, de N. F. W. Ligterink et al.. Ambos os artigos serão publicados na mesma edição da revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
Uma das equipas é composta por: R. Martín-Doménech (Centro de Astrobiología, Espanha), V. M. Rivilla (INAF-Osservatorio Astrofisico di Arcetri, Itália), I. Jiménez-Serra (Queen Mary University of London, Reino Unido), D. Quénard (Queen Mary University of London, RU), L. Testi (INAF-Osservatorio Astrofisico di Arcetri, Itália; ESO, Garching, Alemanha; Excellence Cluster “Universe”, Alemanha) e J. Martín-Pintado (Centro de Astrobiología, Espanha).
A outra equipa é composta por: N. F. W. Ligterink (Laboratório de Astrofísica Sackler, Observatório de Leiden, Holanda), A. Coutens (University College London, RU), V. Kofman (Laboratório de Astrofísica Sackler, Holanda), H. S. P. Müller (Universität zu Köln, Alemanha), R. T. Garrod (University of Virginia, EUA), H. Calcutt (Instituto Niels Bohr & Museu de História Natural, Dinamarca), S. F. Wampfler (Centro do Espaço e Habitabilidade, Suíça), J. K. Jørgensen (Instituto Niels Bohr & Museu de História Natural, Dinamarca), H. Linnartz (Laboratório de Astrofísica Sackler, Holanda) e E. F. van Dishoeck (Observatório de Leiden, Holanda; Max-Planck-Institut für Extraterrestrische Physik, Alemanha).
O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é de longe o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 16 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça, assim como pelo Chile, o país de acolhimento. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e operação de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é um parceiro principal no ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. E no Cerro Armazones, próximo do Paranal, o ESO está a construir o Extremely Large Telescope (ELT) de 39 metros, que será “o maior olho do mundo virado para o céu”.
fonte: ESO
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