segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Alesi, um antepassado de todos nós e dos símios actuais

Crânio da espécie de símio <i>Nyanzapithecus alesi</i>





Um crânio quase completo de um símio encontrado no Quénia é uma nova peça na árvore da evolução. Só pelos seus dentes, pode saber-se muito sobre esta nova espécie (e sobre os nossos antepassados). Os cientistas dizem que é mais uma confirmação da origem africana dos símios actuais e dos humanos.

Desvendar a linhagem dos símios é uma das missões do antropólogo queniano Isaiah Nengo. Como tal, em Setembro de 2014 partiu em expedição até aos Montes Napedet, nas margens do Lago Turkana (no Norte do Quénia), com um grupo de habitantes locais. Tinha o objectivo de encontrar fósseis do período Mioceno (entre há 23 e cinco milhões de anos), uma vez que escavações nos anos 90 indicavam que poderiam haver fósseis nesse sítio. Passaram vários dias e nada de relevante era encontrado. Até que algo inesperado aconteceu: John Ekusi, um dos companheiros de expedição, descobriu o que lhe parecia um crânio de um animal. De imediato, chamou Isaiah Nengo. “Puxei o topo do crânio e vi o contorno dos olhos. Percebi logo que era de um primata muito bem preservado”, conta-nos o antropólogo. “Ficámos tão entusiasmados que começámos a dançar e a saltar.”

A euforia não terminou aqui. Ao ser estudado, percebeu-se que o crânio muito completo era de um símio juvenil e que tinha 13 milhões de anos. Mais do que isso, também veio a saber-se que era de uma nova espécie de símio, a que a equipa deu o nome científico Nyanzapithecus alesi. Agora, já só o tratam por Alesi. Este crânio revela-nos como terá sido o aspecto de um dos antepassados comuns tanto dos humanos (incluindo a nossa espécie Homo sapiens) como dos símios actuais.

“Foi uma surpresa muito agradável. É muito difícil encontrarmos um fóssil de um símio [muito antigo]”, considera Isaiah Nengo, agora no Instituto da Bacia do Turkana e o principal autor de um artigo publicado esta quinta-feira na revista Nature, que tem a participação de Fred Spoor, da University College de Londres (Reino Unido).

A nossa espécie faz parte da família dos hominídeos, que inclui também os gibões e os grandes símios (os chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos). Sabe-se que o nosso último antepassado comum com os chimpanzés – antes da separação entre o ramo evolutivo que levou à nossa espécie e o ramo que levou àqueles grandes símios – terá vivido em África há cerca de sete milhões de anos. Contudo, não sabemos muito sobre a evolução dos nossos antepassados há mais de dez milhões de anos e este crânio pode agora dar pistas sobre isso.


Foto O antropólogo Isaiah Nengo acaba de tirar o crânio do Alesi de um bloco de arenito. Ao lado, estão os colegas de expedição Akai Ekes e John Ekusi (que descobriu o crânio)expedição ISAIAH NENGO

Em África, não tinha sido encontrado até ao momento qualquer crânio completo de um hominídeo com esta idade. Apenas se descobriram dentes e mandíbulas. “É o primeiro crânio de um hominídeo africano quase completo recuperado entre há 17 milhões e sete milhões de anos e, tanto quanto sabemos, é o crânio mais completo de um símio do Mioceno até agora descrito”, lê-se no artigo científico. 

Vejamos então as pistas que este crânio nos dá. É do tamanho de um limão e como é muito pequeno parece um gibão bebé. “No início, isto deu-nos a impressão de que era um gibão já extinto”, disse Christopher Gilbert, professor no Hunter College de Nova Iorque e um dos autores do trabalho, num comunicado da Fundação Leakey, que apoiou esta investigação.

A identidade do Alesi acabou por ser revelada graças à sua dentição. Porque as raízes dos seus dentes estavam muito bem preservadas, como refere o artigo. Foram então obtidas imagens a três dimensões do crânio do Alesi no Laboratório Europeu de Radiações Sincrotrão (ESRF), uma poderosa máquina de raios X em Grenoble (França), que permite estudar os materiais em pormenor.
Mais lento do que um gibão

Primeiro, percebeu-se que se tratava de um símio (que, ao contrário dos macacos, não tinha cauda). “Os molares de um macaco são muito diferentes dos símios”, refere Isaiah Nengo. Além disso, o Alesi tinha canais auditivos já muito desenvolvidos, algo que partilha com os símios actuais e que não se encontra nos primatas mais primitivos. Depois, viu-se também que a forma dos seus molares era muito semelhante à de outras espécies de símios do género Nyanzapithecus. Contudo, os dentes eram maiores, o que sugere que o Alesi era de uma espécie maior do que as outras do seu género. É então uma nova espécie chamada Nyanzapithecus alesi. O nome alesi foi proposto por John Ekusi; afinal tinha sido ele quem descobrira o fóssil. “Ales” significa “antepassado” numa língua local da região do Lago Turkana.


Foto O crânio do Alesi durante as análises no sincrotrão de Grenoble PAUL TAFFOREAU

O sincrotrão de Grenoble ainda deu mais pistas sobre a vida deste símio. Tudo indica que, na altura da sua morte, tinha cerca de 16 meses. Foi possível sabê-lo através das linhas de crescimento diárias preservadas nos seus dentes. Tal como os anéis das árvores, as linhas dos dentes podem revelar a idade do fóssil. Através das imagens de raios X, foi possível contar as linhas desde a fase pré-natal, que coincide com o momento do nascimento, até à morte. Foi assim que se soube que tinha cerca de 485 dias. “Em muitos aspectos, os dentes do Nyanzapithecus alesi são desenvolvidos como os dos gibões modernos, a morfologia é que é um pouco diferente”, explica-nos Paul Tafforeau, paleontólogo do ESRF e responsável por esta análise.

Contudo, não foi possível perceber se era uma fêmea ou um macho. Nos símios apenas se conseguem diferenciar certas características no crânio depois de uma certa idade e este exemplar era demasiado novo para isso.

Também através das imagens do crânio a três dimensões foi possível perceber como o Alesi se movimentava. Embora não fosse um primata de movimentos lentos, não era tão rápido e ágil como os gibões, que andam de ramo em ramo pelas árvores com muita facilidade. “O Nyanzapithecus era mais como os chimpanzés ou como outros símios, que, apesar de serem capazes de se deslocarem de forma complexa e rápida pelas árvores, não o fazem como os gibões”, considera o paleontólogo.

Os seus movimentos foram desvendados através da estrutura do seu ouvido interno. Além de captar som, o ouvido interno também percepciona como se move a cabeça. “As imagens detalhadas de raios X revelaram que o Alesi tinha um órgão de equilíbrio (os canais semicirculares) associado a movimentos lentos, em vez da oscilação acrobática dos braços dos gibões”, refere o comunicado da Fundação Leakey.

As cinzas protegeram-no 

E como terá morrido o Alesi? “Não sabemos exactamente”, responde Isaiah Nengo. “Sabemos que no local onde o Alesi foi encontrado houve erupções vulcânicas porque estava coberto de cinzas.” Supõe-se então que tivesse ficado enterrado ao cair nas cinzas. Pensa-se que o local onde estava foi, em tempos, uma floresta, pois foram descobertos troncos soterrados ali. O fóssil só ficou muito bem preservado graças às cinzas, destaca ainda Isaiah Nengo.

Este crânio vem então preencher um lugar na árvore da evolução que, milhões de anos depois, também veio dar a nós. A equipa concluiu que o Alesi fazia parte de um grupo de primatas que existia em África até há cerca de dez milhões de anos. Os cientistas ainda propõem que o grupo de que o Alesi faz parte pode ter aparecido no final do período Oligoceno (entre há cerca de 34 milhões e 23 milhões de anos) e existiu até ao final do Mioceno. E que a última espécie sobrevivente desta linhagem pode ter sido o Oreopithecus bamboli: encontrada na Eurásia, tem entre sete a nove milhões de anos e é considerada um parente próximo dos símios modernos.


Foto Alesi depois de descoberto ISAIAH NENGO E CHRISTOPHER KIARIE

“Embora o Oreopithecus seja considerado um parente próximo dos símios modernos, devido aos seus braços comprido, à pélvis larga, coluna vertebral curta e outras características presentes nos símios modernos que se baloiçam nas árvores, ainda tem membros inferiores que existem apenas nos antepassados dos humanos que andavam de pé”, salienta Brenda Benefit, antropóloga na Universidade Estadual do Novo México (Estados Unidos) num comentário sobre o artigo na Nature. A antropóloga salienta que a origem africana dos Oreopithecus já tinha sido proposta através de um dente de uma outra espécie e que agora este crânio vem reforçar essa hipótese. Mesmo assim, Brenda Benefit refere que são necessários mais estudos sobre este crânio e mais fósseis para estabelecer esta ligação.

Tendo tudo isto em conta, Isaiah Nengo considera que o Alesi é uma nova peça que confirma a origem africana dos humanos e dos símios actuais. Mais estudos esperam o Alesi: que segredos ainda esconderá o seu crânio do tamanho de um limão?

fonte: Público

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