Na velhice, o funcionamento dos genes torna-se desadequado
Pela primeira vez, uma equipa internacional de cientistas, entre os quais um jovem doutorando português, comparou o ADN de recém-nascidos com o de pessoas muito idosas. E conclui que é possível distinguir um ADN "novo" de um ADN "velho". Os seus resultados foram publicados ontem na revista Proceedings of the National Academy of Sciences.
Antes de mais, uma precisão: a distinção entre genomas novos e velhos não se verifica ao nível das moléculas de ADN em si. Não é o genoma mas o chamado "epigenoma" - isto é, a colecção de pequenas modificações químicas que agem sobre o ADN e afectam o funcionamento dos genes - que marca a diferença. São aliás os fenómenos epigenéticos que fazem com que as moléculas de ADN de cada um de nós, apesar de serem idênticas em todas as nossas células, consigam gerar os inúmeros tipos de células e órgãos, cada um com funções diferentes, que compõem o nosso organismo. São os sinais epigenéticos que, ao darem origem a padrões diferentes de actividade dos genes, definem o comportamento específico de cada uma das partes da nossa anatomia.
Resultado surpreendente
Isto era o que já se sabia. Mas o surpreendente resultado agora obtido pela equipa de Manel Esteller, do Instituto Investigação Médica da Universidade de Barcelona, Espanha, é que, mesmo dentro de um mesmo órgão ou tecido, o epigenoma varia... em função da idade.
Os cientistas começaram por comparar o epigenoma dos linfócitos (células imunitárias) de um rapaz recém-nascido e do seu bisavô, de 103 anos de idade, limitando-se a apenas um tipo de alteração química do ADN: a metilação, um processo que faz diminuir a actividade, ou expressão, dos genes sobre os quais incide.
Ao todo, identificaram assim mais de 16 milhões de pontos em que a molécula de ADN do bebé e do ancião podia sofrer uma metilação. E constataram então que, enquanto cerca de 80% desses locais se encontravam efectivamente metilados no recém-nascido, isso apenas acontecia, no homem centenário, em 73% dos locais correspondentes - uma diferença química que, portanto, afectava cerca de meio milhão de pontos do ADN.
A seguir, a equipa estendeu o estudo, comparando o ADN de um grupo de recém-nascidos ao de um grupo de nonagenários e centenários, com resultados semelhantes. E mais ainda, mostraram que o nível de metilação do ADN de pessoas de meia-idade tinha um valor intermédio em relação aos dos dois extremos etários.
"A metilação do ADN é uma forma natural de inactivar os genes, e a diminuição da metilação leva a uma superactivação dos genes", explicou Esteller ao PÚBLICO. "Neste caso, a superactivação faz com que os linfócitos do centenário comecem a activar genes que são próprios de outros tecidos (por exemplo de neurónios ou do coração), bem como sequências de ADN "lixo". O que não é bom."
Torre de Pisa
Estes resultados, afirmam os cientistas, permitem pensar que o envelhecimento possa ser, justamente, a consequência da acumulação de modificações epigenéticas deste tipo ao longo da vida. "Além de permitir conhecer as marcas epigenéticas associadas ao envelhecimento, este estudo sugere que a acumulação dessas marcas ao longo do tempo pode levar a grandes alterações da expressão de determinados genes e da função das células", diz-nos por seu lado Humberto Ferreira, de 29 anos, o elemento português da equipa e que também pertence ao Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra.
Os resultados, explica Esteller em comunicado, mostram que o epigenoma das pessoas centenárias foi distorcido e que perdeu muitos "interruptores" químicos. E também que se trata de um processo progressivo, "com cada dia que passa a entortar mais epigenoma, como se fosse a Torre de Pisa".
"Um aspecto encorajador é que, ao contrário das lesões genéticas, as lesões epigenéticas são reversíveis", salienta Esteller. "O facto de modificar os padrões de metilação através da dieta ou de medicamentos poderá portanto induzir um aumento da longevidade. Vale a pena explorar esta possibilidade."
fonte: Público
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