Artigo na "Nature" dá pontos à ciência nacional. Cientistas identificam interruptores de sequências. Prioridade: doenças neurodegenerativas
Movimentos como pedalar começam e acabam em neurónios específicos do cérebro
É muitas vezes dos achados mais básicos que saltam mais explicações. Investigadores sedeados em Portugal publicam hoje na revista "Nature" a descoberta dos interruptores no cérebro que actuam em decisões como tocar uma sequência no piano ou pôr uma mudança. Assim, e de uma assentada só, além do lado fundamental da descoberta - há neurónios diferentes para as funções start e stop - percebe-se por que andar de bicicleta é algo que nunca se esquece. Mas mais importante, porque é que doenças degenerativas como Parkinson ou Huntington prejudicam a aprendizagem e a execução de movimentos até então automáticos.
No futuro, a investigação na área das células estaminais poderá permitir a substituição destes interruptores naturais nos doentes com danos no sistema nervoso. Alguma ficção científica também não é descabida: se forem dominados os comandos do cérebro, poder-se-á por exemplo, erradicar a preguiça. "Experimentalmente, há uma série de hipóteses. Mas teremos sempre de pensar se é isso que queremos para a nossa sociedade: imagine que toda a gente era super-motivada", diz Rui Costa, co-autor do artigo e investigador principal do Programa Champalimaud de Neurociências, a funcionar no Instituto Gulbenkian de Ciência enquanto não é inaugurado o centro de investigação na zona de Pedrouços, Lisboa. "Para já, pensamos que o importante é intervir onde há desvios de funcionamento, como é o caso das doenças neurodegenerativas".
O trabalho em parceria com o investigador chinês Xin Jin começou nos EUA, antes de Rui Costa integrar a equipa Champalimaud, em Abril de 2009. Nos últimos dois anos e meio, o objectivo foi perceber como é que o organismo inicia e termina determinado movimento. Decidiram estudar o processo em ratinhos, que puseram a adquirir competências como tocar oito vezes seguidas numa tecla para receberem uma recompensa. Depois de perceberem que neurónios ficavam activos, manipularam-nos de forma genética e perceberam que quando os danificavam, apesar da velocidade do movimento se manter, os ratinhos tinham dificuldade em iniciar ou parar a acção, e as sequências até então perfeitas passavam a ser inconsistentes.
As implicações clínicas surgiram quando perceberam que as zonas do cérebro accionadas - a substância negra onde estão os neurónios que produzem o neurotransmissor dopamina e o estriado onde estão os neurónios onde esta é lançada - coincidiam com as zonas afectadas nos doentes de Parkinson e Huntington. "Na realidade, os resultados vão ao encontro daquilo que vemos nestes doentes: um doente com Parkinson andará de bicicleta se lhe der um primeiro empurrão e ajudar a parar."
Descobriram ainda que cada movimento, quando se toca piano por exemplo, assume uma marca cerebral distinta que se mantém praticamente inalterável a cada repetição. Mas há incógnitas: "Apesar de termos conseguido localizar estes neurónios, e sabermos que o start e o stop são diferentes, não sabemos ainda o que os distingue", diz o investigador. Outra linha de investigação, partindo do princípio que estes circuitos vão perdendo vitalidade, é tentar definir o "período crítico" para aprender sequências novas. "Sei que se quisesse ser um grande pianista, provavelmente já não ia a tempo. A ideia é definirmos o período ideal para adquirir competências".
fonte: Jornal i
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