Estudos sobre alegada teoria da conspiração relacionada com técnicas de manipulação do clima alertam para "efeitos secundários não intencionais"
Quando a tempestade tropical Katrina ganhou força e se transformou num furacão que varreu o Sul dos Estados Unidos, com ventos de mais de 280 quilómetros por hora, em 2005, os crentes na conspiração desdobraram-se em análises de como o furacão foi artificialmente criado para atingir Nova Orleães.
Thomas Bearden, tenente-coronel na reforma, acusou a Rússia e os seus "métodos à KGB" de estar por trás do plano maquiavélico; segundo o americano, os russos têm estado, desde 1976, a usar uma arma secreta da era soviética para controlar o clima e destronar os inimigos em perigosos jogos de geoestratégia.
Outros acusaram a máfia japonesa, a Yakuza, que em 1989, dizem, terá pedido emprestada essa arma à Rússia para destruir plataformas de exploração petrolífera nas costas dos EUA. Outros defenderam que foi um "efeito secundário" de planos da própria administração americana para controlar o tempo e assim controlar as mentes dos seus cidadãos.
Terá sido portanto com alguma surpresa que os assíduos críticos de teorias da conspiração como estas receberam há alguns meses a notícia de que a geoengenharia está agora a ser investigada com fundos da CIA.
Em Julho, a "Mother Jones" anunciou que a agência secreta norte-americana acabava de dar 630 mil dólares à Academia Nacional de Ciências (NAS) para financiar um projecto de 21 meses sobre o uso da engenharia do clima para alterar o ambiente no planeta e reduzir o aquecimento global.
O estudo foi anunciado no site da NAS como "o primeiro a ser financiado pela comunidade de serviços secretos dos EUA". À revista, William Kearney, porta-voz da academia, confirmou que a expressão fazia referência à CIA. A agência, contudo, não confirmou nem desmentiu a notícia, nem uma outra a dar conta de que, em 2012, terá encerrado o seu centro de estudos sobre alterações climáticas após sofrer pressões dos republicanos no Congresso que dizem que a CIA não deve intrometer-se no assunto.
"É natural que a agência trabalhe com cientistas para melhor entender um tema como as alterações climáticas, o fenómeno e as suas implicações na segurança nacional [dos EUA]", foi a única declaração feita à revista sobre o assunto por Edward Price, porta-voz da secreta.
O aparente interesse de grandes potências em alterar o clima na Terra não é novo. Durante a guerra do Vietname, a Força Aérea americana terá usado pela primeira vez técnicas de manipulação climática como instrumento de táctica militar, libertando nas nuvens partículas químicas para criar chuvas artificiais que transformassem o trilho de Ho Chi Minh num lamaçal, para assim obter uma vantagem estratégica.
Entre 1962 e 1983, terá havido engenheiros com pretensões semelhantes no Projecto Fúria da Tempestade, liderado pela Marinha norte-americana e pelo Departamento do Comércio para enfraquecer ciclones tropicais. Mais recentemente, o Gabinete de Modificação da Meteorologia da China foi acusado de aplicar este processo de "sementeira em nuvens" para assegurar que só choveria longe dos estádios onde os Jogos Olímpicos de 2008 tiveram lugar.
"ACTORES SOLITÁRIOS" Apesar de no passado as tentativas de manipular o clima terem sido recebidas em tom jocoso pela comunidade científica, o facto de técnicas como a sementeira em nuvens estarem a ser aplicadas tem gerado questões sérias entre os cientistas.
Desde o início do ano, algumas revistas especializadas e jornais como o "The Guardian" têm dado uma atenção sem precedentes à ideia controversa da geoengenharia, citando vários riscos inerentes ao processo. Para David Keith, investigador da Universidade de Harvard e defensor assertivo dos métodos para controlar o aquecimento global, "[a geoengenharia] é fundamentalmente exequível, relativamente barata e parece reduzir os riscos de alterações climáticas de forma significativa". Mas esse optimismo vem com ressalvas. "Isto acarreta riscos, entre eles efeitos secundários não intencionais imprevisíveis", diz Keith.
"E toda esta questão dos actores solitários?", questiona Ken Caldeira, cientista da NAS. "Devemos preocupar-nos com o facto de a China agir unilateralmente? É só conversa fiada ou o governo dos EUA deve preparar-se para isso?"
A dita "questão dos actores solitários" não envolve só países. Pelo menos um indivíduo, Russ George, terá já tentado modificar o clima. O ex-director da Planktos, empresa americana que de-senvolve tecnologias para combater o aquecimento global, terá fertilizado com ferro o oceano Pacífico, na costa canadiana, para forçar um aumento de plâncton que absorva mais dióxido de carbono - libertado na atmosfera a um ritmo e em quantidades cada vez maiores.
Em 2010, a BBC entrevistou um militar russo que diz fazer uso destas técnicas há anos para impedir que chova em importantes feriados nacionais. "Usamos uma máquina especial que cospe iodeto de prata, gelo seco ou cimento para as nuvens ou então abrimos uma escotilha [no avião] e um homem atira sementes para as nuvens manualmente", explicou então Alexander Akimenkov, piloto da Força Aérea russa.
De acordo com o artigo, não é só o governo russo que semeia nuvens para não colher tempestades. Há já empresas privadas no país que, por 6 mil dólares à hora, garantem que o casamento de um cliente, ou outro evento privado, é soalheiro até ao fim.
"O RISCO NÃO É SÓ COMEÇAR" Os cientistas avisam agora que os riscos vêm não só desta falta de controlo de como, quem e onde são usadas técnicas de geoengenharia, mas também do simples facto de estarem a ser aplicadas.
Segundo um estudo publicado pela revista científica "Environmental Research Letters" a 8 de Janeiro, os trópicos vão ser afectados por secas graves se a geoengenharia continuar a ser aplicada como penso rápido no combate às alterações climáticas.
"Há muitas questões de governação - quem controla o termóstato da Terra - porque o impacto da geoengenharia não vai ser uniforme em todo o planeta", diz Andrew Charlton-Perez, cientista da Universidade de Reading e membro da equipa de investigação.
Através de modelos recriados em computador, os cientistas confirmaram que a aplicação da técnica de injectar sulfatos em grande escala nas nuvens consegue reduzir o aumento da temperatura, mas que tal poderá provocar, em situações extremas, uma quebra de um terço da pluviosidade na América do Sul, na Ásia e em África. As consequentes secas, dizem os investigadores, afectarão milhares de milhões de pessoas e as já frágeis florestas tropicais, que funcionam como filtros imensos de carbono.
"Os investigadores escolheram um cenário climático grave, portanto não devemos ficar surpreendidos por qualquer técnica de geoengenharia ou para reverter os efeitos [da anterior] tenha impacto sério e desigual", diz Matthew Watson, da Universidade de Bristol e defensor de mais investigação antes de se aplicarem medidas destas. "Continua a ser verdade que a única via garantida [para salvar o planeta] é reduzir os níveis recorde de gases com efeito de estufa que continuamos a injectar na atmosfera. É vital que os cientistas continuem a investigar a geoengenharia, mas nenhum governo sério em relação às alterações climáticas deve olhar para ela como um penso rápido."
O cenário "grave" estudado prevê que, se os níveis de dióxido de carbono quadruplicarem na atmosfera e não houver intervenção, as temperaturas globais vão subir em média 4 graus Celsius, acima dos 2 considerados perigosos pelos governos mundiais. Já se esse aumento da temperatura for combatido pela geoengenharia, será possível desacelerar e até reduzir para níveis nulos o aquecimento global.
Na simulação computorizada, os cientistas injectaram 60 toneladas de dióxido de enxofre por ano na estratosfera, o equivalente a cinco erupções vulcânicas, cada uma medida pela escala da erupção do monte Pinatubo, nas Filipinas, que em 1991 reduziu 0,5 graus a temperatura global nos dois anos seguintes.
Através desta libertação de dióxido de enxofre, similar à dos vulcões quando entram em erupção, os cientistas apuraram que as partículas na estratosfera não só absorvem parte do calor vindo do Sol mas também a energia térmica libertada pela superfície terrestre.
"O aquecimento funciona como estabilizador da parte da atmosfera em que vivemos, reduzindo a ressurgência de ar. Nos trópicos a maior parte da chuva vem da movimentação rápida do ar, portanto [o método de geoengenharia] funciona como redutor de precipitação", explica Charlton-Perez.
Se a hipótese se confirmar, a queda na precipitação nos trópicos pode chegar aos 30%, com impacto adverso e significativo sobre as populações e o ambiente. "Iríamos assistir a mudanças tão bruscas que as pessoas teriam muito pouco tempo para se adaptar", diz o co-autor do estudo. "Mostrámos que uma das principais técnicas da geoengenharia pode causar efeitos secundários não intencionais numa larga faixa do planeta", efeitos até agora ignorados nas investigações, sublinha.
Um outro estudo, divulgado anteontem pelo site Science 2.0, mostra que, em geral, os cidadãos norte-americanos condenam os métodos de geoengenharia para controlar o ambiente. "Foi um resultado surpreendente num padrão muito claro", explica Malcolm Wright, professor da Universidade de Massey e autor do estudo. "Intervenções como pôr espelhos no espaço ou partículas na estratosfera não são bem recebidas. Processos mais naturais como a iluminação de nuvens acolhem menos objecções, mas ao que o público reage melhor é à criação de biochar (carvão vegetal para bloquear o CO 2) ou à captura directa de carbono do ar."
fonte: i online
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