Os bonobos, grandes símios do Congo, são peritos em relações sociais e algumas das suas atitudes positivas para com estranhos em dificuldades são muito semelhantes às nossas DR
Os bonobos preferem partilhar comida com um congénere desconhecido do que com um amigo. Serão eles mais altruístas do que nós ou estarão à espera de alguma coisa em troca?
Pergunta: se você estiver na fila de uma bilheteira de cinema com um balde de pipocas na mão, partilhá-las-ia com o grupo de amigos(as) com quem está ou com desconhecidos que se encontram ao seu lado, também eles à espera de ver um filme? Resposta inequívoca de um ser humano: "Com os meus amigos, claro!" Resposta (não linguística, mas igualmente clara) de um bonobo: "Com estranhos... desde que isso me garanta alguma interacção social com esses meus novos amigos."
Isto resume, segundo um comunicado da Universidade Duke (EUA), a principal conclusão do estudo ontem publicado na revista online de acesso livre PLoS One por uma equipa daquela universidade. Em mais de uma década de investigações sobre os bonobos, diz Brian Hare, autor principal do estudo, citado no mesmo documento, os resultados são "uma das coisas mais malucas que já descobrimos" acerca desses grandes símios do Congo, os nossos parentes mais próximos, exímios em desenvolver relações sociais.
De facto, estes cientistas fizeram uma série de experiências que mostram que, em certos casos, os bonobos até poderão ser mais altruístas do que nós. Uma constatação que põe em causa, escrevem, a ideia de que apenas os seres humanos são capazes de se mostrarem generosos de forma desinteressada.
Os bonobos que participaram nas experiências vivem em África, no santuário Lola ya Bonobo ("paraíso dos bonobos", na principal língua local), em Kinshasa, República Democrática do Congo. É o único refúgio de animais do mundo a acolher os bonobos que ficaram órfãos devido ao comércio de carne de animais selvagens.
Na primeira experiência, com 14 bonobos, estes animais eram introduzidos num recinto fechado onde havia comida e ladeado por outros dois recintos. Num deles, um bonobo "próximo" do participante na experiência, no outro um que o bonobo testado apenas conhecia por o ter visto de longe. O bonobo participante tinha a possibilidade, se assim o entendesse, de deixar entrar os outros para partilharem a sua comida – ou de a consumir sozinho.
Toma lá, da cá
Resultado: nove dos 14 animais abriram a porta ao desconhecido, deixando o outro a olhar, impotente, através das grades da vedação – e apenas dois optaram por destrancar a porta que os separava do bonobo que já conheciam. Os três bonobos restantes não demonstraram qualquer preferência ao longo de várias repetições do teste.
Outra surpresa: o terceiro bonobo (que era portanto, em geral, "amigo" do animal testado) também acabava por ter acesso ao repasto, mas quem mais frequentemente lhe abria a porta era... o bonobo "forasteiro"! E mais, diz Jingzhi Tan, co-autor do estudo: o bonobo estrangeiro ficava assim, voluntariamente, em minoria face aos outros dois, que já se conheciam – algo que um chimpanzé-comum (o nosso outro parente mais próximo) nunca teria feito.
"Estes testes seriam impossíveis com chimpanzés; eles atiravam-se logo uns aos outros", comenta aliás Hare. "Parece-nos um pouco doido, mas os bonobos preferem partilhar com desconhecidos", explica ainda este investigador. "Estão a tentar estender a sua rede social" e parecem dar mais valor a isso do que à manutenção de amizades já estabelecidas.
Mas por que é que os bonobos agem desta forma? Até onde seriam eles capazes de ir na sua generosidade? Foi para responder a esta questão da motivação que os cientistas realizaram um segundo tipo de experiência, desta vez envolvendo apenas dois bonobos de cada vez, que não se conheciam, em condições em que o animal testado não iria ter a oportunidade de contacto com o outro, fosse qual fosse a sua atitude.
Também aqui houve surpresas com os dez bonobos que participaram no teste. Nove dos animais, quando colocados em condições em que tinham a possibilidade de ajudar o outro a obter comida – sem terem eles próprios acesso a essa mesma comida –, ajudaram, pelo menos uma vez, esse desconhecido.
Porém, esta experiência também permite concluir que a generosidade dos bonobos tem limites: quando o bonobo testado tinha pessoalmente acesso aos alimentos, mas sabia que se partilhasse essa comida – abdicando, portanto, de parte dela – não iria obter qualquer recompensa em termos sociais, já não partilhava nada com o seu congénere. Comia tudo sozinho.
Esta última experiência, explica ainda Hare, assemelha-se ao chamado "jogo do ditador", em que participantes (humanos) têm a possibilidade de partilhar dinheiro com desconhecidos. A maior parte das pessoas opta por doar de forma anónima, mas doa mais quando a doação deixa de ser anónima. Aqui, os bonobos são diferentes de nós, como sugere efectivamente a experiência: no fundo, não partilham nada anonimamente (isto é, quando a partilha não implica a tal recompensa social).
"Eles importam-se com os outros" de uma forma algo egoísta, diz Hare. "Aceitam partilhar quando a situação é de tipo baixo custo/baixo benefício. Mas quando o benefício é nulo, não partilham. Nisso, são diferentes dos humanos do jogo do ditador. É preciso importar-se realmente com os outros para fazer uma doação anónima."
Segundo os autores, tais atitudes de generosidade nestes símios, que poderão ter evoluído para permitir a expansão das redes sociais individuais, poderão esclarecer as origens do mesmo tipo de comportamento nos humanos. "Os nossos resultados mostram que a generosidade para com os estranhos não é exclusiva dos humanos", diz Tan em comunicado da PLoS One. "Tal como os chimpanzés, a nossa espécie poderia matar os estranhos; tal como os bonobos, também podemos ser muito bons com os estranhos."
Os cientistas não negam contudo que, apesar de não sermos únicos neste aspecto, fomos muito mais longe no nosso altruísmo do que qualquer outra espécie: "Ulteriormente, as normas sociais humanas e a linguagem terão alargado esta preferência social dos símios aos contextos de mais elevado custo", escrevem.
fonte: Público
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