segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O homem (na verdade, a mulher) das Flores já tem um rosto





Na reconstrução facial do Homo floresiensis, a antropóloga Susan Hayes foi moldando a espessura dos músculos e da gordura sobre o crânio de uma mulher com 18 mil anos UNIVERSIDADE DE WOLLONGONG

Espécie que viveu até há 12 mil anos, numa ilha da Indonésia, era tão pequena que os cientistas chamaram hobbits aos seus membros. Afinal, as criaturas imaginadas por Tolkien em O Senhor dos Anéis até existiram

Não é propriamente o que se chamaria uma mulher bonita, mas as suas feições eram, sem dúvida, distintivas. Palavras da antropóloga australiana Susan Hayes, depois de ter revelado ao mundo como era o rosto de uma mulher que viveu há 18 mil anos na ilha indonésia das Flores, naquela que é a primeira reconstrução facial de uma pessoa desta espécie de humanos.

A história da descoberta desta espécie, com quase uma década, lançou muita confusão na árvore evolutiva humana, já de si complexa. Em Agosto de 2003, uma equipa de cientistas australianos e indonésios encontrou o fóssil de uma mulher, incluindo o crânio, na gruta de Liang Bua. No ano seguinte, na revista Nature, a equipa anunciava a descoberta e defendia tratar-se de uma nova espécie de humanos. E eis que começava a controvérsia: antes de mais, porque até essa altura estávamos convencidos de que há muito mais tempo éramos os únicos humanos que restavam no planeta.

Na viagem evolutiva dos humanos, os neandertais eram até aí considerados os nossos últimos companheiros. Desapareceram há cerca de 28 mil anos, tendo a Península Ibérica como último refúgio, depois de terem vivido por toda a Europa.

Mas o fóssil da mulher com 18 mil anos, o primeiro exemplar descoberto, serviu de referência para identificar a nova espécie. O Homo floresiensis, ou homem das Flores, teria surgido há cerca de 95 mil anos e a sua existência ter-se-ia prolongado até há 12 mil anos, quando desapareceu e, aí sim, nos deixou sozinhos, como espécie humana, na Terra.

Como a mulher já era adulta, isso mostrava que aqueles humanos teriam apenas um metro de altura e 25 quilos. Por serem tão pequenos, os cientistas pensaram nas criaturas minúsculas do mundo imaginado por J. R. R. Tolkien em O Hobbit e na trilogia O Senhor dos Anéis, a ponto de considerarem chamar-lhe Homo hobbitus, em vez de Homo floresiensis.

Além da sua coexistência tardia com a nossa espécie, o Homo sapiens, os hobbits reais das Flores eram polémicos precisamente devido ao crânio muito pequeno. Isso implicava uma capacidade craniana de apenas 380 centímetros cúbicos, idêntica à dos chimpanzés.

Uma aproximação

Seriam então uma espécie nova ou apenas indivíduos doentes da nossa própria espécie? Referindo-se a esta última hipótese, houve cientistas que avançaram que o homem das Flores sofria de microcefalia, uma patologia caracterizada por um crânio e um cérebro muito pequenos e deficiências mentais. Outra hipótese considerava os hobbits como Homo sapiens pigmeus, pois ainda hoje vivem nas Flores populações de baixa estatura.

Mas, para a equipa que escavou e estudou os fósseis do Homo floresiensis, coordenada pelo arqueólogo Mike Morwood, da Universidade de Nova Inglaterra, na Austrália, uma das provas de que era uma espécie distinta estava na ausência de queixo. Só a nossa espécie tem queixo.

Vários estudos têm reforçado a tese de que o homem das Flores era uma espécie distinta, baseando-se, por exemplo, na comparação da forma do seu cérebro com o de indivíduos microcéfalos e saudáveis da nossa espécie e ainda na análise dos ossos do pulso. O seu lugar na árvore evolutiva e que relação tinha connosco é que continuam por determinar.

Só que, até agora, nunca tínhamos visto uma reconstrução da cara do homem das Flores – ou melhor, da mulher das Flores –, porque só o primeiro exemplar descoberto tem o crânio completo, embora tenham entretanto sido encontrados fragmentos de vários indivíduos.

Especialista em reconstrução facial, Susan Hayes, da Universidade de Wollongong, na Austrália, deu agora um rosto à mulher das Flores, moldando músculos e gordura sobre uma réplica do crânio. Assim, a cara foi ganhando "carne" e o resultado foi divulgado numa conferência de Arqueologia na Universidade de Wollongong, numa altura em que, por todo o mundo, também se tem estreado o filme O Hobbit: Uma Viagem Inesperada.

Maçãs do rosto proeminentes e um nariz largo são algumas surpresas, refere um comunicado da universidade australiana. Perante o resultado, Susan Hayes reconheceu então que a mulher não seria uma beldade. "Não diríamos que era bonita, mas era seguramente distintiva."

Como é que a antropóloga sabia que espessura de tecidos moles pôr no rosto dos hobbits, uma vez que não existem dados específicos para essa população desaparecida? Susan Hayes responde ao PÚBLICO que usou dados existentes para a população mundial com as espessuras médias dos tecidos moles: "São aplicáveis a todas as populações e baseiam-se num grande conjunto de dados, por isso são muito fidedignas. Para o Homo floresiensis, usei um subconjunto destes dados, uma vez que o crânio dela é muito pequeno."

E o que traz de novo a reconstrução do rosto desta mulher? Traz algumas provas sobre a aparência de outros humanos, diz Susan Hayes. "Mas, tal como toda a ciência, os resultados do trabalho baseiam-se no que sabemos hoje sobre o crânio, sobre a sua relação com os tecidos moles e a população em questão. Como todo o meu trabalho, é sempre uma aproximação."

Num comentário ao trabalho, Darren Curnoe, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, disse que o rosto é mais moderno do que esperava. "Os ossos parecem-se um pouco como os dos pré-humanos que viveram há dois ou três milhões de anos, mas, com esta reconstrução, vê-se como são surpreendentemente modernos", disse o especialista em evolução humana. "É interessante ver uma nova abordagem baseada na ciência forense, que pode melhorar a compreensão de como era o aspecto do Homo floresiensis. Até agora, vimos interpretações artísticas, muito bonitas, mas esta dá-nos uma visão mais científica e rigorosa do aspecto do hobbit."

fonte: Público

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