Esqueça a imagem estereotipada da velha ranzinza, de voz rouca, com verruga na ponta do nariz. As bruxas e bruxos - muitos homens também adotam a magia como estilo de vida - de hoje têm uma aparência convencional, embora um ou outro símbolo mágico, como um pingente de pentagrama, revele suas crenças.
Falam de maneira suave e são totalmente contra as práticas em geral associadas à feitiçaria, como o sacrifício de animais. Ao contrário: prezam a natureza acima de tudo, adotam uma rotina ecologicamente correta e cultivam plantas medicinais.
Seus encantos não transformam ninguém em sapo, mas eles garantem que podem curar uma dor de cabeça ou ajudar a atrair prosperidade. E em suas crenças não há espaço para demónios de nenhuma espécie.
A maior parte cultiva princípios celtas e divindades femininas, caso da Wicca, religião neo-pagã criada na Europa que vem ganhando cada vez mais adeptos no Brasil. Conheça a história de bruxos do terceiro milénio.
Maga hi-tech
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná, Monica Berger, ou melhor, Zoe de Camaris, trabalhou como professora de Linguística até que, nos anos 1980, começou a se interessar por tarôt.
Tornou-se especialista e hoje concilia as leituras de cartas que promove em sua casa com aulas de Literatura na Fundação Cultural de Curitiba, onde mora.
Mãe de três filhas, que têm quatro, 17 e 31 anos, Zoe se considera bruxa por respeitar a natureza e não abrir mão de rituais particulares. “Não têm relação com nenhum tipo de religiosidade, mas com uma magia espiritual ligada ao feminino”, afirma.
Zoe mantém vários objetos que ela considera mágicos - como castiçais, velas e cristais - ao lado do computador e do "smartphone", além de manter um
blog para realizar atendimentos online.
Embora não saia por aí de vestido e chapéu pretos, ela conta que, às vezes, capricha no visual e atende os clientes de pés descalços para tornar os rituais mais interessantes.
Bruxo em busca do equilíbrio
Na adolescência, uma reportagem sobre Wicca no programa “Fantástico”, da Rede Globo, despertou a atenção do paulistano Sebastian Baltazar - nome pagão que ele prefere usar sempre que o tema magia é abordado - , de 23 anos.
“Comentei que queria saber mais sobre o assunto com uma amiga e, para minha surpresa, ela se revelou uma praticante. Passei a estudar bastante sobre o assunto e a trocar informações com outras pessoas em fóruns de discussão virtuais e pelo Orkut. Criei uma espécie de 'networking' pagão”, diz.
Sebastian Baltazar num Encontro Anual de Bruxos, organizado pela Abrawicca
Paralelamente ao trabalho de técnico em informática, ele atua como consultor holístico e dá aulas sobre cromoterapia. Ele nunca escondeu de ninguém que segue a Wicca e até adotou um anel com pentagrama, símbolo máximo da crença.
Também não pensou em abdicar da filosofia quando foi acusado pelo irmão mais velho de ser um “adorador do demónio”. Baltazar acredita que ser um bruxo não o torna diferente de ninguém. “Sou uma pessoa que respeita a natureza, por me sentir parte dela, e que busca autoconhecimento e equilíbrio”, diz.
Seu dia a dia é mágico por si só, costuma dizer. “Quando acordo, faço um pensamento de agradecimento”, afirma o mago, que nos Covens - encontros de praticantes de Wicca para celebrações e ritos mágicos - sempre veste uma túnica especial.
E, volta e meia, ele se dedica a fazer encantamentos para atrair sorte, prosperidade, bons pensamentos e harmonia em sua vida e na de quem o cerca.
De aprendiz à professora de bruxaria
Interessada por assuntos esotéricos, a professora de inglês Erica Marson, 37 anos, de São Bernardo do Campo (SP), sempre leu sobre os mais variados temas. “Tinha vontade de aprender alguns rituais e me aprofundar, mas não queria me dedicar à Wicca.
Pensava em algo mais abrangente”, conta. Por intermédio de um amigo, conheceu a Universidade Livre Holística Casa de Bruxa, em Santo André (SP), e se inscreveu no curso de Bruxaria Natural, com duração de cerca de dois anos.
Nunca mais saiu de lá. “Quando soube que procuravam bruxos com licenciatura para dar aulas, me candidatei imediatamente”, afirma.
Hoje, Erica é a responsável pela coordenação dos Trabalhos de Conclusão de Curso dos alunos e presença constante em todos os eventos da casa - o tradicional Halloween, aberto ao público mediante a compra de convite, é um dos mais animados.
Nessas ocasiões, Erica vai acompanhada do marido, que respeita suas crenças e suas vestes especiais, mas não participa dos rituais. “Ele também não se incomoda com os altares que mantenho em casa, um na sala e outro no quarto”, diz Erica. Ela nunca deixa de usar o anel da Casa de Bruxa nem de carregar no pescoço um colar que traz um símbolo de proteção.
Tailleur, salto alto e poções de cura
Ela usa o nome da mãe, também bruxa, falecida em 2002. Porém, seu nome de baptismo é ainda mais excêntrico: Mailin Zeid Black. Neta de um escocês, que admirava as tradições celtas, e de uma italiana católica, Mirian, 37 anos, sempre se interessou por assuntos místicos. “Quando era pequena via espíritos, mas nunca tive medo.
Conforme cresci, devorei livros sobre diferentes culturas, como celta, cigana e egípcia, e também aprendi a lidar com radiestesia e terapia com cristais”, diz ela. Hoje, ela acaba de lançar o livro “Bruxas” (Ícone Editora).
Segundo Mirian, toda feiticeira tem um dom específico. O dela é preparar poções de cura - medicamentos naturais como xaropes para tosse e sprays para combater irritações na garganta. Ela não revela as receitas, tampouco vende suas criações.
“Não quero usar meu dom para fins financeiros. Dou minhas poções para quem estiver precisando”, afirma.
“Ensino quem se interessa a fazer seu próprio feitiço. Sempre de forma gratuita, pois essa é minha doação para os deuses”, diz Mirian Black
Casada, ela mora com um casal de filhos - o menino tem oito anos e a menina, três - em Vargem Grande Paulista, a cerca de 50 km de São Paulo. Advogada, não dispensa tailleur e salto alto para os compromissos profissionais, uma imagem bem diferente daquela que investe para os rituais celtas em homenagem às estações climáticas.
“Uso vestes especiais em tons claros, como azul-celeste, para celebrar a chegada da primavera e do verão. Ou uma túnica branca com detalhes vermelhos, cores que facilitam a comunicação com outros mundos”, diz. Para o outono e o inverno, a escolha recai sobre as nuances comumente associadas à bruxaria: preto, cinza, azul-escuro e roxo.
Mirian afirma que nunca lançou mão de seus poderes para facilitar algo em sua carreira. “Isso implicaria em, eventualmente, modificar ou tentar modificar a decisão do juiz e, como desconheço o mérito do cliente, não posso usar a magia para alterar um karma. Se ele tiver de ganhar ou perder, faz parte do seu merecimento”, diz ela.
Ela afirma que uma bruxa moderna só faz encantamento em benefício alheio e com a autorização da própria pessoa. “Ensino quem se interessa a fazer seu próprio feitiço. Sempre de forma gratuita, pois essa é minha doação para os deuses.”
Vassoura, caldeirão e empreendedorismo
Tânia Gori transformou praticamente em ouro os ensinamentos que a avó materna, Petronilia, ligada às ciências ocultas, começou a lhe ensinar quando tinha seis anos de idade.
Há 16 anos à frente da Universidade Livre Holística Casa de Bruxa, ela é considerada a grande responsável pelo aumento do interesse por Wicca, magia e afins, atualmente.
Além de promover cursos de curta a longa duração, a Casa de Bruxa, sediada em Santo André (SP), conta com uma loja de produtos místicos, uma biblioteca e oferece sessões de massagem, reiki, reflexologia e leitura de oráculos, como tarot tradicional, runas e baralho cigano.
Há 16 anos à frente da Universidade Livre Holística Casa de Bruxa, Tânia Gori prepara algumas de suas iguarias e poções num caldeirão de ferro
Tânia está lá diariamente e, certa vez, ao pegar um táxi para se dirigir ao trabalho, ouviu um comentário preconceituoso do motorista.
“Ele disse: ‘Credo, você vai pisar naquele lugar do mal?’. Respondi com uma explicação detalhada sobre minha filosofia de vida, que prega a comunhão com a natureza, o amor ao próximo e o equilíbrio emocional”, afirma.
Casada e mãe de dois adolescentes, ela diz que combater os estereótipos com voz calma e harmonia é sempre a melhor solução.
“Bruxa não é adjetivo, é substantivo. Se alguém diz ‘bruxa má’, se refere ao caráter de alguém”, diz. A maldade associada à bruxaria, segundo Tânia, é herança dos contos de fadas e dos tempos da Inquisição.
Na chácara onde mora, em Ribeirão Pires (SP), ela se dedica às artes culinárias: prepara iguarias e poções num caldeirão de ferro. O utensílio, segundo ela, simboliza a transformação. Ela ainda tem uma grande vassoura de palha, que serve para fazer limpeza energética.
Simples e caseira
Com 44 anos de idade, Rhiannon mora em Joinville (SC), e é bruxa desde os 19, quando foi iniciada nas artes da magia natural (à base de plantas) com uma sacerdotisa.
Casada pela segunda vez, mãe de um rapaz de 25 anos de sua primeira união e avó de dois meninos, ela conta ter uma vida bem normal. Gosta de ler, receber os amigos e cuidar da casa, cujos cômodos costuma lavar com ervas para atrair boas vibrações.
“Promovo banhos e encantamentos para beneficiar minha vida e a de pessoas queridas, sempre utilizando a lei máxima: ‘Faça tudo o que desejar sem mal algum causar’. E não sou teatral ao desempenhar minhas tarefas, apenas sou naturalmente amável e responsável com meu trabalho”, afirma.
"Estou habilitada pela Deusa a celebrar casamentos na bruxaria, apresentação de crianças recém-nascidas e atos fúnebres da morte de pessoas queridas", diz Rhiannon
Rhiannon diz-se eclética, mas aprecia, em especial, as tradições célticas e não abre mão de praticar rituais como os sabats, que celebram as estações do ano, e os esbasts, que são reuniões em homenagem a cada lua cheia.
“Além disso, estou habilitada a celebrar casamentos na bruxaria, apresentação de crianças recém-nascidas e atos fúnebres para pessoas queridas. Todas essas celebrações são apenas ritualizadas, sem papéis convencionais, pois o nosso único compromisso verdadeiro é com nossos sentimentos, corações e integridade”.
Ela adora velas, óleos perfumados, sinos dos ventos, incensos e tudo o que represente os quatro elementos: terra, ar, água e fogo. “Gosto de tornar meu ambiente caseiro o mais harmonioso e encantador o possível”, afirma a feiticeira.
Seu trabalho “secular”, modo como as bruxas costumam se referir à profissão convencional, é técnica em enfermagem. “Lido com vidas e levo muito a sério essa questão. Quando alguém me pede uma poção ou chá, eu ensino, mas em momento algum deixo de indicar os métodos convencionais de medicina e a procura por um especialista. Os médicos e a alopatia também são parte integrante da magia divina”, diz Rhiannon.