O coração começa a bater durante o segundo mês do desenvolvimento do embrião
Uma dor tem início no peito. Não pára. Alastra-se para a região do braço esquerdo, vai quase até ao braço direito, chega às costas. Intensifica-se. Custa a respirar, a ambulância vem em socorro. No hospital, um diagnóstico: ataque cardíaco. O coração recebeu uma machadada valente, algumas vezes fatal, mas sempre irreversível, até agora. Uma equipa de cientistas utilizou células do coração de 17 pacientes com enfartes para tratar o próprio tecido cardíaco destes pacientes. Obteve, pela primeira vez, a regeneração de parte do coração. O estudo foi publicado nesta segunda-feira na revista Lancet.
A dor que se sente num ataque cardíaco é um sinal muito sério que parte das células do músculo mais importante do corpo está a morrer. O coração é o motor da circulação, força o sangue a chegar ao último capilar do corpo, de modo a alimentar todas as células. É uma bomba constante que começa a funcionar durante o segundo mês do desenvolvimento do embrião, durante a gravidez, e só termina quando se morre.
Esse bombear é possível graças à contracção das células musculares do coração, que não param. Mas ao longo da vida, devido à alimentação, hábitos sedentários ou até devido à genética, as artérias que alimentam estas células musculares podem de repente ficar bloqueadas e impedir o sangue de chegar a parte das células musculares cardíacas. As células não recebem nutrientes nem oxigénio, deixam de funcionar e morrem. O que se sente é a dor do enfarte.
O órgão nunca mais é o mesmo. Fica com uma cicatriz na região do tecido morto, deixa de conseguir bombear tanto sangue e uma caminhada de seis minutos torna-se num esforço. Mas uma equipa do Cedars-Sinai Heart Institute, Los Angeles, EUA, conseguiu pela primeira vez regenerar eficientemente parte do coração que ficou danificado e diminuir o tamanho das cicatrizes.
Para isso, os cientistas fizeram operações para recolheram células saudáveis do coração de homens que tiveram ataques cardíacos. No laboratório, conseguiram condicionar as células para se multiplicarem em milhões de células musculares. Passado cerca de um mês, os pacientes receberam entre 12 e 25 milhões de células musculares cardíacas. Um ano depois, quase metade da cicatriz tinha desaparecido, e parte do tecido do coração regenerou.
“Isto nunca foi conseguido antes, apesar de se ter passado uma década a fazer terapias de células em pacientes com ataques cardíacos. Agora conseguimos. Os resultados são substancialmente e surpreendentemente melhores do que o que obtivemos em animais”, disse Eduardo Marbán, médico, autor do estudo e director do instituto.
A equipa trabalhou com 25 pacientes, oito serviram de controlo e 17 experimentaram a nova terapia. Eram todos homens brancos, com uma média de idades de 53 anos e tinham tido um ataque cardíaco há menos de dois meses.
Ao longo de um ano, a equipa observou os homens tratados e o controlo. No grupo de controlo, apesar de serem seguidos o melhor possível, não houve praticamente regeneração do músculo nem diminuição da cicatriz. Ao fim de seis meses, o grupo controlo era capaz de andar mais 13,1 metros durante seis minutos, mas ao final de 12 meses andavam em média menos 9,6 metros. O grupo que passou pelo tratamento, durante os mesmos seis minutos, andavam mais 11,4 metros ao final de seis meses e mais 33 metros ao final de 12 meses.
Os ataques cardíacos fazem diminuir a quantidade de sangue bombeado que sai do coração. Embora o aumento desta quantidade fosse muito ligeira nos 17 homens que receberam as células musculares cardíacas e viram o seu coração regenerado, a equipa defende que o prognóstico é muito positivo.
Segundo o artigo, em terapias semelhantes em que se utilizaram células da medula óssea para tratar o coração, a diminuição da cicatriz foi mínima e não foi observável a regeneração do músculo. Ainda assim houve uma melhoria no prognóstico do estado do paciente passado dois anos. Por isso, para os autores, estes resultados que foram agora publicados “dão razões para esperar um benefício clínico ainda maior da [nova] terapia”.
fonte: Público
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