A intenção é que o domínio .xxx seja um red light district do ciberespaço. Bem iluminado, limpo, legal, livre de vírus e de malware. Críticos avisam que se pode transformar num gueto, à mercê de lobbies religiosos. Nem mesmo as empresas de sexo parecem querer mudar-se para este novo “quarteirão vermelho”.
Defensores da liberdade de expressão temem que conteúdos como a homossexualidade sejam “chutados” para o novo domínio pelos conservadores americanos
A intenção é que o domínio .xxx seja um red light district do ciberespaço. Bem iluminado, limpo, legal, livre de vírus e de malware. Críticos avisam que se pode transformar num gueto, à mercê de lobbies religiosos. Nem mesmo as empresas de sexo parecem querer mudar-se para este novo “quarteirão vermelho”.
É uma ocasião rara, mas acontece: grupos religiosos e empresas de sexo estão de acordo numa coisa. Ninguém gosta do novo domínio de Internet .xxx destinado a alojar sites com conteúdos pornográficos, que finalmente recebeu uma pré-aprovação da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) na semana passada, em Bruxelas.
A decisão final só é tomada em Outubro, mas tudo indica que o dot-xxx seja oficialmente criado nos próximos nove a doze meses. A adopção deste novo Top Level Domain (TLD), a concretizar-se em definitivo, será totalmente voluntária. Ou seja, ninguém obriga as empresas que já vendem conteúdos pornográficos online a mudarem-se da cidade dot-com para o bairro dot-xxx. O ICANN — o organismo norte-americano que regula os nomes dos domínios na Internet — opera numa lógica de neutralidade da Net, pelo que se limitou a pré-aprovar essa possibilidade, não havendo aqui qualquer obrigatoriedade de mudança.
Há pelo menos cinco anos que a empresa britânica ICM Registry — que regista nomes de domínios — tentava, em vão, criar este domínio. Em 2007, a proposta foi rejeitada pelo ICANN, apesar de ter sido pré-aprovada em Junho de 2005. O organismo americano foi então alvo de pressões políticas — numa altura em que o republicano George W. Bush dominava a Casa Branca —, pelo que a autorização ao .xxx acabou por não se concretizar.
Durante o debate que conduziu à pré-aprovação do novo domínio de topo, membros do ICANN indicaram que, no passado, foi cometido um erro ao ser negada a introdução do dot-xxx. Essa negação não foi “consistente com a aplicação de uma política neutral, objectiva e justa”, indicou um dos membros, citado pela BBC, após a reunião na capital belga.
Alguns membros do ICANN até manifestaram o seu desconforto pessoal pelo facto de este novo domínio se destinar a conteúdos para adultos, mas não puderam impedir a decisão, uma vez que a proposta da ICM está de acordo com as regras daquele organismo sem fins lucrativos com sede na Califórnia.
Mais segurança e mais qualidade
O presidente da empresa norte-americana ICM Registry, Stuart Lawley, alega que as vantagens são várias: quem passar a aceder ao domínio .xxx passa a ter conteúdos para adultos com um determinado padrão de qualidade e sem os riscos de encontrar vírus e malware a cada passo, ao contrário do que se passa hoje em dia, com milhares de sites que são campo aberto para toda a espécie de predadores informáticos.
Há ainda outra vantagem: Lawley diz que não irá tolerar que o novo domínio albergue pornografia infantil e que parte dos lucros que irá obter com a venda de nomes de registo irá reverter para campanhas de protecção de menores. O responsável também já sublinhou que todos aqueles que se registarem no novo domínio terão de aderir a um código de conduta que facilite a detecção de situações de abusos de menores.
Stuart Lawley está confiante no bom desenlace deste acordo, em Outubro, e conta ganhar cerca de 60 dólares por registo. Até ao momento, o presidente da ICM Registry alega que mais de 110 mil potenciais compradores já se pré-registaram, esperando chegar a totalizar meio milhão de clientes e outros tantos milhões de dólares de lucro por ano. Lawley resume a sua estratégia, citado pela BBC: “Estas são excelentes notícias para todos aqueles que querem consumir e evitar conteúdos para adultos.”
Indústria porno está contra
Esta medida, apesar de nas palavras de Stuart Lawley parecer compor-se só de vantagens, recebeu já um coro de críticas por parte das empresas que vendem conteúdos sexuais online e sem o apoio das quais esta manobra está condenada ao fracasso.
Contactada pela Pública, Diane Duke, a directora executiva da Free Speech Coalition — a associação norte-americana de pornografia e entretenimento para adultos dos EUA que reúne milhares de empresas nacionais e da qual faz parte, entre outros, o império Hustler —, indicou que não só a ICM Registry não conta com o apoio da sua associação, como “enfrenta a oposição de toda a indústria que é suposto representar”. A responsável alega que a entrada em funções do domínio .xxx poderá conduzir os sites de entretenimento para adultos a um “gueto porno”, tornando-os alvo fácil para os grupos religiosos e para os legisladores ultraconservadores, que poderão forçar todos os empresários da indústria a deixar os outros domínios, como o .com e o .net. Apesar de tudo, segundo a “Wired”, é improvável que isso venha a acontecer. O Supremo Tribunal americano dificilmente aprovaria semelhante obrigatoriedade.
Os defensores da liberdade de expressão temem ainda que conteúdos controversos, como a homossexualidade, sejam igualmente “chutados” para o novo domínio pelos conservadores norte-americanos. “Além disso, muitos negócios ver-se-ão obrigados a registar defensivamente os seus nomes de domínio, numa tentativa de protegerem as suas marcas. A indústria de entretenimento para adultos já foi severamente atingida pela pirataria e pela recessão e, especialmente agora, não precisamos de gastar dinheiro que não temos num produto que não queremos. Isto será mau para o negócio”, frisou ainda Diane Duke.
A mesma representante da Free Speech Coalition indicou ainda à Pública que “o ICANN poderá dar consigo a supervisionar conteúdos para adultos (uma vez que, em última análise, é aquele organismo que tem a palavra final nestas matérias), uma situação para a qual não está qualificado nem preparado”, frisou Duke, explicando que toda esta situação é “indefensável”.
Ceder à tentação
Grupos religiosos e conservadores, embora não pelos mesmos motivos, também já se pronunciaram contra esta medida. A direita religiosa, a mesma que em 2005 já tinha feito pressão para que o ICANN não aprovasse o .xxx, considera que a aprovação deste domínio facilita o deboche, é carta branca à introdução de mais material “repugnante” na Net e, simplesmente, uma maneira mais fácil de os menores acederem a conteúdos para adultos.
Com tantos argumentos, de um lado e do outro da barricada, o que irá acontecer? A revista “PC World” arranjou uma metáfora aquática: “Os sites pornográficos serão como golfinhos. Todos os golfinhos são baleias, mas nem todas as baleias são golfinhos. Os golfinhos são uma subcategoria da mais vasta família das baleias. De forma semelhante, todos os sites .xxx serão pornografia, mas nem todos os sites de pornografia serão .xxx. Muitos sites pornográficos têm uma presença longa e estável em domínios dot-com e não irão simplesmente abandonar isso.”
O que poderá acontecer no futuro é o seguinte: apesar de adquirirem um espaço no domínio dot-xxx, sites e marcas já reputados, como a Playboy e a Penthouse, por exemplo, irão redireccionar os internautas para as suas já existentes e lucrativas páginas .com, um estratagema já em voga actualmente quando os internautas entram no domínio .net destas páginas.
A verdade é que este novo domínio poderá ser uma mina de ouro para a ICM Registry. Marcas respeitáveis que não quererão ter nada a ver com a indústria de entretenimento para adultos (como por exemplo a Disney.com) poderão igualmente ceder à tentação de comprar registos no novo domínio, apenas para depois redireccionarem as pessoas para as suas páginas oficiais.
O que é facto é que a indústria de entretenimento para adultos é muito vasta, havendo lugar para todos. De acordo com números da Internet Pornography Statistics, são gastos mais de três mil dólares por segundo em pornografia online e a palavra “sexo” é o termo mais pesquisado em todo o mundo, representando 25 por cento de todas as pesquisas de Internet. De acordo com a Reuters, com os 370 milhões de sites pornográficos que se estima existirem actualmente na Internet, o domínio .xxx poderá vir a transformar-se num dos mais vastos repositórios de conteúdos online. Ou não.
fonte: Público
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