segunda-feira, 31 de julho de 2017

Na linha da frente, a descobrir novos exoplanetas


Chile. O telescópio VLT está prestes a receber um novo equipamento, o ESPRESSO, para encontrar exoplanetas e estudar as suas atmosferas. Portugal integra o consórcio internacional que o desenhou, construiu e vai instalar.

O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço está a definir os estudos e as observações na fronteira do conhecimento nesta área

Agora está tudo muito vazio, quase não se imagina, mas no fim do ano passado as salas do Laboratório de Ótica, Laser e Sistemas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, no Campus Tecnológico do Lumiar, estavam cheias de instrumentação e a fervilhar de atividade. E tinha mesmo de ser assim.

Ultimavam-se então os derradeiros testes ao sistema que o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) desenvolveu e construiu para o ESPRESSO, o novo equipamento de alta precisão que vai pôr os telescópios VLT, no Chile, a "olhar mais longe" e a "ver" com com uma nitidez sem precedentes. A nova etapa desta aventura - encontrar novos exoplanetas idênticos à Terra e estudar as suas atmosferas - começa em novembro e os astrofísicos portugueses do IA estão na primeira linha desses novos descobrimentos.

É o culminar de quase dez anos de trabalho, em que o grupo do IA também cresceu e evoluiu, a partir das duas equipas originais de astrofísica e astronomia das universidades de Lisboa e do Porto - as reuniões por videoconferência já se tornaram aqui parte do dia-a--dia. Mas este é sobretudo o início de uma outra etapa, a "luz ao fundo do túnel após todos estes anos de trabalho", diz Nuno Santos.

Aos 43 anos, o astrofísico do IA e da Universidade do Porto, é um dos principais cientistas, a nível mundial, envolvidos na descoberta de exoplanetas, e o líder em Portugal do consórcio internacional que idealizou, construiu e está a acabar de instalar o ESPRESSO no telescópio VLT, do ESO - o European Southern Observatory, que Portugal também integra.

O ESPRESSO é um espectrógrafo de alta resolução, um instrumento que vai captar imagens do espectro da luz dos quatro telescópios do VLT - funcionam em conjunto como um único telescópio, tornando-o num dos maiores do mundo. E, aos portugueses coube neste projeto a conceção, desenvolvimento, construção e instalação de uma parte do ESPRESSO, um conjunto de elementos óticos chamado Coudé Train. Colocado no telescópio, este sistema ótico capta a luz que ele recebe e depois leva-a até um ponto, no laboratório, onde se junta a luz dos quatro telescópios do VLT.

Para lá desse olhar mais preciso que o novo equipamento vai dar ao VLT e da nova ciência que permitirá fazer, ele é também muito especial para os astrofísicos portugueses, porque é o primeiro em cujo desenho, conceção, construção e montagem os investigadores do IA estão envolvidos como líderes desde a primeira hora.

É um marco, claro. Mas o mais importante é que coloca os cientistas portugueses na linha da frente para definir a ciência que vai ser feita nesta área a partir daqui. "A decisão sobre o catálogo de estrelas que o ESPRESSO vai observar e nas quais vai procurar planetas está a ser liderada por nós", conta, satisfeito, Nuno Santos.

Mas não é tudo. Esta participação representa também algo precioso: tempo garantido de observação. "O ESO atribui 270 noites de observação nos primeiros três anos e meio, às equipas do consórcio." Uma vantagem crítica, numa altura em que a ciência dos exoplanetas vive uma explosão de novidades. Também por isso, o momento de arranque do ESPRESSO nos telescópios do Chile vai ser muito especial.

A ciência da próxima década

Os astrofísicos chamam-lhe "a primeira luz" e na expressão há toda a carga de algo único e irrepetível: o momento em que os dados das primeiras observações chegam aos computadores e às mãos dos cientistas. Nuno Santos há de lá estar, no Chile, quando isso acontecer "em meados de novembro" e, diz, "não está" nervoso. "Sabemos que vai funcionar, já o testámos em Genebra [no Observatório Astronómico de Genebra, outro dos parceiros do consórcio] e funcionou muito bem", garante. Agora está tudo empacotado, pronto a seguir para o Chile. A instalação final, no VLT, é em setembro, outubro.

Alexandre Cabral, 49 anos, engenheiro físico e o coordenador do grupo de desenvolvimento da instrumentação no IA, é quem vai estar lá nessa altura, nos confins do deserto de Atacama, a realizar o trabalho. Já está habituado. "Fizemos 15 missões no VLT, desde 2011, cinco delas entre junho de 2016 e junho deste ano no âmbito deste projeto", conta .

A precisão do futuro instrumento - "neste momento não existe nenhum espectrógrafo como este, com a precisão nas medições da velocidade das estrelas que ele vai conseguir fazer", garante Alexandre Cabral - obrigou, aliás, àquele intenso vaivém sobre o Atlântico. "O ESO tinha-nos dito "vocês não tocam no telescópio" e no fim fomos nós que acabámos por instalar as interfaces para o instrumento", lembra Alexandre Cabral. "Andámos lá de berbequim em punho a fazer os furos, porque senão isto tinha-se atrasado dois ou três anos".

Não se atrasou, e a nova ciência dos exoplanetas está prestes a começar, com os portugueses a definir os trilhos da caminhada.

A participação do IA no consórcio do ESPRESSO, que incluiu a Suíça, a Itália e a Espanha, além de Portugal, é a confirmação de uma posição de liderança a nível internacional. "Neste momento temos capacidade para construir um espectrógrafo, crescemos o suficiente para ter essa ambição", diz José Afonso, 42 anos, astrofísico e o coordenador do IA (ver entrevista).


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