Imagens dos tumores nos ratos, publicadas no artigo científico (AFP/CRIIGEN)
Para quem contesta os organismos geneticamente modificados, era a arma de que precisavam. Mas vários cientistas estão cépticos quanto a um artigo científico, divulgado esta quarta-feira, a sugerir que o milho transgénico provoca cancro em ratos de laboratório.
Conduzido por investigadores das universidades de Caen (França) e Verona (Itália), o estudo compara grupos de ratos que foram alimentados com diferentes dietas. Parte alimentou-se parcialmente de um milho geneticamente modificado da multinacional Monsando – o NK603 – cultivado e comercializado em vários pontos do mundo.
Este milho resiste a um herbicida da própria Monsanto – o Roundup – que foi misturado à água dada a outros ratos. Dois grupos de controlo tiveram alimentação normal de laboratório.
Depois de dois anos de observação, o estudo constatou mais problemas de saúde nos ratos que comeram o milho transgénico e beberam a água com Roundup. As fêmeas desenvolveram mais tumores mamários de grande dimensão. Nos machos, o número de casos de congestão e necrose hepática foi 2,5 a 5,5 vezes maior e surgiram quatro vezes mais tumores palpáveis. Houve ainda mais casos de deficiências renais graves.
A conclusão do trabalho é a de que aqueles resultados podem ser explicados pelos efeitos do Roundup no sistema hormonal dos animais, mas também pela influência do milho transgénico.
Em França – país que está em conflito com a Comissão Europeia por ter proibido a plantação de variedades autorizadas de milho geneticamente modificado – o artigo teve efeitos imediatos. O ministro da Agricultura, Stéphane Le Foll, defendeu uma revisão da lei europeia, de modo a clarificar em que condições os países podem declarar uma moratória aos OGM. “É preciso rever os protocolos de homologação e permitir aos Estados optarem a favor ou contra”, afirmou à agência AFP.
“Este estudo mostra enfim que tínhamos razão e que é urgente rever rapidamente todos os processos de avaliação dos OGM”, reagiu também o eurodeputado e líder anti-globalização francês José Bové.
Em Portugal, a Plataforma Transgénicos Fora – que reúne 11 organizações não-governamentais, incluindo as maiores associações ecologistas – diz que, à luz do estudo, “os alimentos transgénicos não podem ser mais considerados seguros”, segundo um comunicado. A plataforma defende a “suspensão imediata de todos os transgénicos” em uso no país e a “proibição imediata do cultivo do milho transgénico”.
Muitos cientistas torcem porém o nariz ao estudo, apesar de ter sido publicado numa revista científica conceituada – a Food and Chemical Toxicology.
Pedro Fevereiro, do Laboratório de Biotecnologia de Células Vegetais, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica, afirma que a variedade de milho em causa é plantada e comercializada mundialmente há mais de uma década, sem que se tenha observado nada parecido com os tumores do tamanho de bolas de ténis de mesa, que surgiram nos ratos em dois anos. “Admira-me que passados esses anos se encontrem agora efeitos espantosos sem que mais ninguém antes tenha dado conta”, diz.
Fevereiro refere ainda que é comum o aparecimento de tumores naquela linhagem de ratos de laboratório e que o número de animais nos grupos de controlo poderá ser pequeno para conclusões estatísticas definitivas. “Eu só aceitarei como válidos esses resultados quando houver um grupo idóneo que repita a experiência”, conclui.
Cientistas de outros países repetem as mesmas dúvidas. “Esta linhagem de ratos é muito susceptível a tumores mamários, especialmente quando a ingestão de alimento não é controlada”, opina Tom Sanders, chefe da divisão de ciências da nutrição no King’s College, de Londres, citado pela agência Reuters.
“Se os efeitos são tão grandes como se sugere, e se realmente fossem relevantes para os humanos, porque os norte-americanos não estão a cair mortos como moscas?”, indaga Mark Tester, especialista em genética das plantas na Universidade de Adelaide, Austrália. Já David Spiegalhalter, da Universidade de Cambridge, critica os métodos e o tratamento estatístico do artigo, considerando-os abaixo dos padrões usuais.
Margarida Silva, da Escola Superior de Biotecnologia, da Universidade Católica, e integrante da Plataforma Transgénicos Fora, tem opinião diferente. O estudo agora divulgado, diz, é o primeiro que de facto analisa o que ocorre ao longo do ciclo de vida de um animal. “Os estudos que têm sido feitos são para períodos de 90 dias”, afirma. “É lamentável que só agora se comecem a estudar de facto os efeitos a longo prazo”.Para Margarida Silva, saber se os OGM estão de facto a provocar problemas na saúde humana requer estudos epidemiológicos abrangentes, que até agora não foram feitos. “Não conseguimos dizer se o impacto real dos transgénicos é ‘x’, ‘y’ ou ‘zero’”.
“Este trabalho foi publicado numa revista acima de qualquer suspeita”, completa a bióloga.
Na acesa polémica sobre os transgénicos, houve outros momentos em que artigos apontaram para efeitos graves dos OGM na saúde, como num trabalho do húngaro Arpad Pusztai, em 1998, que sugeria graves problemas em ratos alimentados com batatas transgénicas.
“Nos 15 anos em que tenho seguido este assunto, deve ser o quinto ou sexto estudo que aponta este tipo de conclusões. Nenhum deles sobreviveu a uma reanálise ou repetição”, diz José Feijó, investigador do Instituto Gulbenkian de Ciência e professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “A minha reacção é de cepticismo”, completa.
O autor principal do estudo – o investigador francês Gilles-Eric Séralini – uma das vozes em França que têm alertado para os riscos do OGM – reagiu às críticas, esta quinta-feira, numa conferência de imprensa. “Este estudo foi avaliado pela melhor revista mundial de toxicologia alimentar, que levou muito mais tempo para o fazer do que as pessoas que reagiram ao trabalho em 24 horas”, disse. "Estou à espera de críticas de cientistas com artigos publicados sobre os efeitos dos OGM e dos pesticidas na saúde, para debater em termos justos com colegas que são cientistas reais, e não lobistas".
fonte: Público
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