segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Os verdadeiros "irredutíveis gauleses", afinal, eram ibéricos


Vista parcial das ruínas romanas de Lancia


Uma vista aérea das ruínas romanas de Lancia

Depois de quase dois séculos de resistência às legiões romanas, os povos ibéricos sucumbiram em 19 a.C. Foi em Lancia, uma aldeia perto de Léon, cujo espaço arqueológico poderá ser visitado a partir do próximo ano.

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Fica aqui ao lado. Ou quase. Junto à A 60 espanhola, que liga Léon a Valladolid, a antiga aldeia de Lancia tem uma extraordinária história para contar. Faz lembrar as aventuras de Astérix e Obélix na sua irredutível aldeia gaulesa, mas, no caso de Lancia, o episódio foi bem real - e dramático -, depois de mais de uma década de batalhas renhidas, até que uma traição (mais uma) levou a melhor a favor de Roma. Lancia, a pequena aldeia do lado de lá da fronteira, foi o último reduto da resistência dos povos ibéricos à ocupação romana, que se prolongou por mais de 150 anos.

Depois de duas décadas de escavações arqueológicas numa extensa área da antiga Lancia, que trouxeram à luz do dia esta e outras histórias da vida da aldeia, situada a poucos quilómetros da cidade de Léon, as autoridades da região decidiram abrir a zona às visitas do público a partir do próximo ano, segundo o El País.

Situada numa colina inexpugnável, Lancia só caiu para Roma no ano 19 a.C., cerca de quatro décadas depois de os lusitanos, um pouco mais a sudoeste, terem sucumbido, também eles, ao mesmo invasor. Tal como aconteceu aos líderes lusitanos, só uma traição fez cair também os irredutíveis de Lancia.

Foi essa última batalha, em 19 a.C., que a história lembra como especialmente sangrenta, com mais de 80 mil mortos do lado das tribos cantábricas e não muito menos entre as legiões romanas também, que pôs fim à lendária resistência ibérica. Iniciadas em 1996, as escavações de Lancia puseram a descoberto mais de 50 mil peças arqueológicas e estruturas de edifícios arruinados, que ocupam uma área de cerca de 30 hectares, e que neste momento estão cobertas por terra, para sua proteção, como conta o El País.

Em declarações ao diário espanhol, o arqueólogo Jesús Celis, diretor das escavações e técnico para o património cultural na Câmara de Léon, adiantou que a decisão de abrir aquele espaço arqueológico ao público foi tomada em julho passado e que o projeto, com um orçamento de 210 mil euros previsto para o próximo ano, está agora a ser ultimado.

"Encontrámos ali vestígios da era pré-romana, desde o século III a.C. até ao século V da nossa era", explica Jesús Celis. Lá está o antigo povoado dos cantábricos no topo da colina, sobre o qual os romanos edificaram depois a sua própria cidade e, em volta, todas as construções da nova Lancia, onde os romanos instalaram as suas termas, um mercado e habitações. Um centro de interpretação reunirá as peças desta história de resistência que assumiu proporções quase épicas dos povos ibéricos que se distribuíam pelos maciços montanhosos da península.
"Povos ibéricos tinham enorme poderio bélico"

"A Península Ibérica foi uma das primeiras regiões fora da península itálica onde os romanos chegaram, mas foi praticamente a última que eles conseguiram conquistar, tornando-se a partir daí um império", explica o arqueólogo e especialista na história de Roma Guilherme Cardoso, cujos trabalhos na região de Peniche trouxeram à luz do dia a mais antiga olaria romana conhecida no território da Lusitânia, do tempo do primeiro imperador, Octávio Augusto (27 a. C. a 17 a. C.).

Esta resistência renhida dos povos ibéricos ao avanço das legiões romanas, plasmada nas ruínas da antiga Lancia, só foi possível "porque estes povos estavam muito avançados nas suas técnicas bélicas", adianta Guilherme Cardoso. "Muitos eram guerreiros mercenários, que iam combater fora - terão mesmo chegado até ao Médio Oriente, segundo alguns autores -, e estavam por isso a par das técnicas bélicas mais avançadas do seu tempo."

Esses guerreiros tinham, por isso, uma capacidade de combate "idêntica, se não mesmo superior, à dos romanos", nota Guilherme Cardoso, explicando que foi a espada curta, muito manejável e eficaz, que os os povos ibéricos usavam que serviu de inspiração ao gládio, a icónica espada das legiões romanas. "Viram que era eficiente e copiaram o modelo."

A natureza difícil do território montanhoso, que era praticamente inexpugnável e ao qual os "povos duros da região estavam muito habituados", é outro fator que ajuda a explicar a longa resistência de quase dois séculos que as legiões romanas encontraram na Península Ibérica. Até que um dia Lancia, finalmente, caiu.


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