O diamante descoberto no Brasil, que tem aprisionado no interior o mineral ringwoodite RICHARD SIEMENS/UNIVERSIDADE DE ALBERTA
O mineral ringwoodite já tinha sido encontrado em meteoritos, mas nunca com origem na Terra. Formado no interior do manto do nosso planeta, contém uma percentagem elevada de água.
Em Viagem ao Centro da Terra, o escritor francês Júlio Verne transporta o leitor para um mundo com dinossauros, homens primitivos, luz e um oceano. Na realidade, nunca ninguém viajou até ao interior do planeta. Mas um diamante encontrado no Brasil fez a viagem inversa e contém um mineral até agora só detectado em meteoritos.
A equipa de investigadores que estudou este mineral, chamado ringwoodite, encontrou água na sua composição. A novidade, anunciada esta quinta-feira num artigo na revista Nature, é que este mineral permite inferir a existência de um reservatório de água no manto terrestre equivalente à água de todos os oceanos da Terra, mas não na forma como Júlio Verne imaginou.
“Nos últimos 25 anos, as pessoas têm especulado sobre qual será a quantidade de água que está presa na Terra, a grande profundidade”, diz Graham Pearson, um dos autores do artigo, da Universidade de Alberta, no Canadá, num podcastda Nature. O mineral ringwoodite entrava nesta discussão.
Este silicato só tinha sido descoberto naturalmente nos meteoritos, cujo nome foi dado em homenagem ao geólogo australiano Ted Ringwood. Contudo, experiências feitas para o produzir artificialmente indicavam que seriam necessárias altas pressões e altas temperaturas para se formar. No nosso planeta, essas condições existem no manto — a camada da Terra que fica abaixo da crosta e vai quase até aos 3000 quilómetros de profundidade.
Havia ainda indicações de uma zona de transição a meio do manto entre os 410 e os 660 quilómetros. Os cientistas tinham identificado uma alteração na velocidade das ondas sísmicas nesta região, que mostrava uma mudança na composição dos silicatos. Quando se descobriu a ringwoodite nos meteoritos, pôs-se a hipótese de que este mineral poderia também estar naquela região.
As experiências mostraram igualmente que a estrutura mineralógica da ringwoodite tem capacidade de incorporar água. A olivina, o silicato que se forma no manto superior, tem uma unidade básica formada por um átomo de sílica, ligado a quatro núcleos de oxigénio. Esta unidade principal parece uma espécie de losango e repete-se constantemente com átomos de magnésio entre cada losango. Com mais pressão e mais temperatura, em vez de olivina, forma-se a ringwoodite, cuja estrutura permite encaixar água. “A ringwoodite pode ter parte da sílica substituída por grupos hidroxilo [água]”, explica ao PÚBLICO Fernando Barriga, professor e geólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
A beleza dos diamantes
Desta forma, a região de transição, que se pensa ser constituída em 60% de ringwoodite, seria rica em água incorporada nestes minerais. Mas isto eram suposições teóricas. Até que a equipa de Graham Pearson encontrou aquele mineral incrustado no interior de um pequeno diamante de três milímetros e 0,09 gramas, proveniente de depósitos de rios, em Juína, no estado de Mato Grosso, no Brasil.
“A beleza dos diamantes é serem uma cápsula única que nos transporta para a região profunda da Terra”, diz Graham Pearson. Os diamantes, feitos de carbono, formam-se no manto a grandes profundidades, sob grande pressão e podem englobar outros minerais já formados. Se forem transportados para a crosta por rochas magmáticas, que se movimentam rapidamente (em termos geológicos), podem chegar à superfície da Terra com outros minerais lá dentro.
A equipa usou técnicas de espectrometria para analisar a composição dos minerais incrustados e descobriu que estava na presença de ringwoodite. Além disso, conseguiu perceber que, pelo menos, 1,5% do peso deste mineral, com 40 micrómetros de diâmetro máximo, era água sob a forma de grupos hidroxilo.
“Se a amostra for representativa de toda a parte inferior da zona de transição do manto, onde a ringwoodite é estável, isto traduz-se [num total de água] equivalente à massa de todos os oceanos da Terra”, diz Hans Keppler, da Universidade de Bayreuth, Alemanha, num comentário para a Nature. “De alguma forma, é como ter um oceano no interior da Terra, como o que foi visualizado por Júlio Verne, não na forma de água líquida, mas como grupos hidroxilo dentro de um mineral fora do comum.”
Para Fernando Barriga, esta experiência mostra como é difícil estudar o interior do nosso planeta. “As provas do interior da Terra vão ser sempre muito reduzidas”, diz o geólogo, acrescentando que é preciso ter “um grande número de diamantes” para encontrar mais ringwoodite.
Como é que a partir de uma só amostra pode então especular sobre a existência de tanta água nesta zona do manto? “Partimos do princípio de que aquilo que encontramos tem algum tipo de representatividade do que se passa no interior da Terra”, responde o investigador português.
O próximo passo? “Procurar provas de água noutros diamantes com inclusões para estabelecer quão comum é a sua assinatura”, diz Graham Pearson.
fonte: Público
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