Afinal, os pássaros que inspiraram o filme de Alfred Hitchcock tinham mesmo perdido o Norte. Uma investigação mostra que o suicídio de gaivotas ocorrido pouco antes foi causado por intoxicação por ácido domóico.
A imagem ficou para a história do cinema e, de certo modo, para a do imaginário colectivo do século XX: numa pacata vila costeira dos EUA, a actriz Tippi Hedren olha para o horizonte e vê um verdadeiro exército de pássaros a poisar na zona portuária do local.
Era apenas o início do que se iria passar pouco tempo depois: os pássaros, enfurecidos inexplicavelmente, atacam tudo e todos os que se lhes atravessam. E está dado o mote a uma das obras-primas de Alfred Hitchcock, Os Pássaros (1963).
O que poucos conhecem é a fonte inspiradora do cineasta anglo-americano, além do romance homónimo de Daphne du Maurier. Apenas dois anos antes, a costa californiana foi palco de um suicídio em massa de gaivotas. Aparentemente inexplicável, o fenómeno surpreendeu todos, e os cientistas avançaram a hipótese de o nevoeiro ter desorientado as aves.
Só agora uma equipa de especialistas da Universidade do Estado da Louisiana mostrou as provas do que induziu as gaivotas a tais actos tresloucados: elas tinham ingerido ácido domóico, uma substância que as terá intoxicado por estar presente em anchovas e lulas, parte essencial do seu menu.
Até aí, tinham sido precisos 25 anos de análises para que uma hipótese finalmente saísse para público. Em 1987, na região costeira oposta à da Califórnia (na ilha Prince Edward, costa Leste do Canadá) centenas de pessoas ficaram gravemente doentes depois de terem ingerido mexilhões contaminados com ácido domóico.
Após uma aturada investigação, cientistas canadianos perceberam que os neurónios das pessoas afectadas tinham sido sobreexcitados. Nalguns casos, isso levou-as à morte.
Uma explicação pode ser encontrada num post da autoria da química Palmira Silva no blogue De Rerum Natura. As vítimas daquela inédita intoxicação alimentar sofriam do que ficou designado como intoxicação amnésica. E o principal composto encontrado nesta intoxicação foi justamente o ácido domóico, o que era intrigante, pois não havia literatura que o associasse a qualquer tipo de toxicidade.
O problema, escreve a cientista, é que o ácido domóico funciona como um «cavalo de Tróia molecular»: os neurónios confundem-no com um ‘parente’, o ácido glutâmico, este sim, com função excitatória que está envolvida em processos fundamentais como a aprendizagem e a memória. Mas, em grandes quantidades, é tóxico – essa função excitatória é feita até à morte.
Terá sido essa a confusão que se gerou no cérebro das gaivotas? Palmira Silva e os cientistas que agora apresentaram as provas reforçam o alerta: temos de tomar muito cuidado com o que deitamos ao oceano. Neste caso, suspeita-se de pesticidas despejados ao mar por quintas próximas.
fonte: Sol
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