A fortuna da família que controla a BMW ronda 20 mil milhões de euros
Começou como um exercício de "abertura e transparência" e terminou com a confirmação de uma verdade crua: a família Quandt, proprietária da BMW, fez parte da sua fortuna graças às relações com o regime de Adolf Hitler.
A II Guerra Mundial acabara e Gunther Quandt, patriarca de uma das famílias mais ricas da Alemanha, gostava de se apresentar como vítima do nazismo. Mas pelo contrário, o industrial explorou até à morte 50 mil trabalhadores forçados, prisioneiros de guerra e de campos de concentração, que não tinham sequer direito a água.
Estas foram algumas das conclusões a que chegou o historiador independente Joachim Scholtyseck, a quem a própria família pedira para esclarecer o seu passado.
Um documentário exibido por um canal alemão em 2007 sobre as ligações dos Quandt ao Terceiro Reich levou os netos a encomendarem o estudo que foi agora publicado. A BMW não foi implicada. Mas "os Quandt estavam inseparavelmente ligados aos crimes dos nazis", lê-se nas conclusões das 1200 páginas. "O patriarca da família fazia parte do regime".
Gunther juntou-se ao partido nazi em 1933, no mesmo ano em que Hitler se tornou chanceler da Alemanha. Quatro anos depois, era responsável pela chamada "economia de armamento". Explorava dezenas de milhares de trabalhadores para fabricar armas e baterias, que alimentavam a máquina de guerra nazi. Uma das suas fábricas, em Estrasburgo, chegou a construir um pavilhão para presos dos campos de concentração de Sagan, na Polónia. Noutra, havia uma zona de execução de trabalhadores desobedientes. Morriam em média 80 trabalhadores por mês.
Empresário "sem escrúpulos", também participou nas expropriações aos industriais judeus, fazendo assim o seu império crescer, diz o estudo.
Quandt teve relações próximas com Joseph Goebbels, mas não por razões ideológicas: depois do divórcio, a ex-mulher, Magda, casou-se com o chefe da propaganda do regime, e foi com eles que o seu filho Herald viveu (apesar de não estar no bunker de Hitler quando, no final da guerra, Magda matou os seis filhos antes de se suicidar).
O relatório refere que outro filho de Gunther, Herbert, também esteve envolvido nos negócios com Hitler - depois seria uma das grandes figuras do "milagre económico" alemão pós-guerra, a quem se atribui a salvação da BMW da bancarrota, em 1959.
Vida sem sombras
A seguir à derrota alemã, Gunther Quandt foi preso, em 1946, mas os juízes concluíram então que fora apenas um "seguidor passivo" e que não tinha participado activamente no Holocausto; em 1948 foi libertado. Juntou-se à direcção do Deutsche Bank e recebeu honras da Universidade de Frankfurt. Estava de férias no Egipto quando morreu, em 1954.
Foi sem sombras que o empresário viveu o período posterior de perseguição aos criminosos nazis. Até que o canal NDR exibiu o documentário O silêncio dos Quandt, resultado de cinco anos de pesquisas (que originou depois a encomenda deste estudo), onde se afirmava que a família, já muito rica antes do conflito, tinha visto aumentar substancialmente a sua fortuna durante o Terceiro Reich.
Um dos procuradores do processo de julgamento dos crimes nazis, Benjamim Ferencz, afirmava perante a câmara: "Se o Tribunal de Nuremberga tivesse tido em mãos os documentos reunidos pelos autores do filme, Quandt teria sido condenado".
O silêncio dos Quandt não estreou a relação da família com o nazismo - alguns livros de investigação já o tinham feito. Mas passou imagens de testemunhos, para uma larga audiência, que ficou assim a conhecer o passado de uma das famílias mais célebres - ainda que bastante discreta - do país. A reacção não foi de negação - mas esta foi das últimas dinastias empresariais alemãs a assumir o seu passado. A maior parte das empresas alemãs reconheceu ter recorrido ao trabalho escravo durante o nazismo, refere a AFP. Estima-se que tenha havido 20 milhões de trabalhadores forçados na Europa do Terceiro Reich.
Os netos Quandt - que controlam uma fortuna avaliada em 20 mil milhões de euros - afirmaram "lamentar profundamente" as conclusões do estudo. Gabriele Quandt, na única entrevista que concedeu depois da publicação do relatório, ao jornal Die Zeit, admitiu que a família esteve "errada" em evitar este confronto durante tanto tempo. Mas não repudiou o avô. "Gostaríamos que ele fosse diferente".
fonte: Público
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