quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Conspirações


Algumas das conspirações mais mediáticas podem ser irrelevantes

É possível que algumas conspirações existam, mas tendem, por regra, a ser exageradas em relação aos factos.

Há aspectos em que Portugal não se pode queixar. No ranking das conspirações estamos entre os primeiros. Eis alguns exemplos: a conspiração de Pacheco Pereira para, juntamente com o ex-director do "Público", derrubar Sócrates e a conspiração do governo Sócrates para prejudicar o "Público" e outros jornais participantes na conspiração anterior, privando-os da publicidade das empresas participadas pelo Estado; a conspiração da Presidência da República para embaraçar o governo levantando suspeições sobre o facto de o Palácio de Belém estar sob escuta e a conspiração do governo para escutar Belém - nomeadamente através do envio de um espião para ouvir as conversas do PR enquanto este tomava a bica; a conspiração do governo para fazer crer aos eleitores que havia uma conspiração em Belém contra o governo e a conspiração de Belém para levar os portugueses a pensarem que tinha sido vítima de conspiração por parte do governo; a conspiração de Sócrates para calar Mário Crespo e a conspiração de Mário Crespo para nos fazer crer que há alguém interessado em conspirar contra ele; a conspiração de Manuela Moura Guedes para infamar José Sócrates e a conspiração de Sócrates para controlar a TVI através da sua compra pela PT; finalmente, a conspiração do "Sol", jornal afecto aos interesses angolanos, para levantar suspeitas sobre o PS e Sócrates (há uma explicação para isto: a conspiração da família Soares contra o MPLA nunca se esquece).

É claro que esta lista podia prolongar-se até ao fim da página, ou por mais algumas páginas, mas convém deixar espaço para dizer algo sobre ela. Será que estas conspirações existem mesmo? É sempre possível que algumas existam, mas tendem, por regra, a ser exageradas em relação aos factos. Quando a mentalidade conspirativa se instala, todos pensam ser alvo de conspirações e, da mesma forma, pensam em conspirar contra os putativos conspiradores. Uma das características da especulação conspirativa é a sua capacidade para criar imaginariamente os factos que a confirmam.

Uma outra questão é a de saber se estas conspirações e contra-conspirações têm um efeito decisivo sobre o nosso futuro. E aqui surge a boa notícia: a resposta é negativa. Algumas das conspirações exemplificadas serão irrelevantes, ou até mesmo inteiramente fantasiosas. Outras terão uma parte de verdade, geralmente exagerada pela própria mentalidade conspirativa. Mas o dado sociológico fundamental consiste no facto de as conspirações por norma não alcançarem os resultados desejados. As sociedades humanas são sistemas muito complexos e com um conjunto tão grande de interacções que nenhuma conspiração, por mais bem urdida que seja, as consegue controlar. As conspirações, mesmo quando existem, estão quase sempre votadas ao fracasso. Afinal Pacheco Pereira não derrubou o governo, não havia microfones escondidos em Belém, Mário Crespo continua igual a si mesmo, a PT não comprou a TVI, o "Sol" aumentou as vendas e a liberdade de expressão em Portugal está bem viva e recomenda-se.

fonte: Jornal i

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