O bosão de Higgs, também conhecido por 'partícula de Deus', porque deverá explicar a origem de tudo o que constitui o Universo, poderá levar dois a cinco anos a ser descoberto pelo grande acelerador de partículas LHC, afirma em entrevista ao Expresso o diretor-geral da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), Rolf-Dieter Heuer.
Rolf Dieter-Heuer: 'O próximo passo do CERN é a construção de um novo colisionador de partículas com 50 km de comprimento'
Desde a inauguração do LHC em setembro de 2008, geraram-se muitas expectativas sobre a descoberta do bosão de Higgs. Dois anos depois, a descoberta ainda não aconteceu. O LHC falhou o seu objetivo central? Não, de maneira nenhuma. Repare, demora muito tempo a encontrar algo como o bosão de Higgs, não podemos estar à espera de carregar no botão e encontrar logo qualquer coisa, porque precisamos de uma tremenda quantidade de dados e de uma grande quantidade de colisões de partículas para produzirmos o bosão de Higgs e para o conseguirmos identificar. Originalmente pensámos que precisávamos provavelmente de cinco anos para o encontrar. Agora estou mais otimista, e talvez precisemos apenas de mais dois anos. Até agora o LHC, a maior máquina do mundo, é um grande sucesso.
Grande sucesso porque o seu arranque permitiu a descoberta de outras partículas e de novas propriedades da matéria? Descobrimos novas partículas compostas a partir das partículas já conhecidas, mas estas descobertas ainda não foram publicadas em jornais científicos, só foram reveladas em reuniões internas do CERN. Quanto a novas propriedades da matéria, isso demora mais tempo a encontrar. Não se esqueça que estamos apenas no primeiro de 20 anos de investigação, porque o LHC foi concebido para funcionar durante duas décadas.
Quais são as prioridades do CERN para 2011? Quando começámos em 30 de Março deste ano com as primeiras colisões de partículas a altas energias no LHC, multiplicámos a taxa de colisão por um fator de 200 mil, o que é a maior de sempre, mas só recolhemos 1/20, ou 5%, dos dados que pretendemos recolher ao longo de 20 anos. Falta ainda recolher muitos dados e estou otimista quanto à possibilidade de recolhermos mais do que calculámos. No próximo mês de fevereiro de 2011 vamos decidir se continuamos com este processo em 2012, porque com os dados que já temos há expectativas de fazermos descobertas, talvez mesmo do bosão de Higgs. Apresentei esta questão ao conselho do CERN e todos os seus membros ficaram entusiasmados com esta possibilidade.
Desde o arranque do LHC, que avanços foram conseguidos no conhecimento da matéria e da energia escuras? Não houve muitos avanços. Temos os primeiros resultados relativos a possíveis candidatos a matéria escura, mas o leque de candidatos é ainda muito largo, e a quantidade de dados de que dispomos para analisar não é muito grande. Em 2011 esperamos mais do que duplicar essa quantidade de dados.
Está preocupado com a concorrência do Tevatron, o acelerador de partículas do Fermilab (EUA), depois das especulações em julho passado sobre a deteção do bosão de Higgs? Não estou preocupado, porque as nossas perspetivas são muito boas. A probabilidade de se encontrar o bosão de Higgs depende da energia utilizada para esse efeito, mais do que a luminosidade. E o LHC tem muito mais energia que o Tevatron. Sinceramente, como cientista não me importa quem vai descobrir o Higgs, mas como diretor-geral do CERN obviamente que me interessa que sejamos nós a descobri-lo. E as nossas equipas de investigadores estão altamente motivadas para isso.
Entretanto, deixando as experiências do LHC, o CERN conseguiu capturar átomos de antimatéria em novembro. Foi um acontecimento importante para a ciência? Foi uma etapa muito importante para o CERN, e para a investigação no campo da física em 2010 foi considerado o acontecimento mais relevante, porque foi a primeira vez que se conseguiram armazenar muitos átomos (38) de anti-hidrogénio durante 1/10 de segundo, o que é muito difícil. Foi demonstrado que o princípio funciona, e a partir de agora podemos investigar as propriedades do anti-hidrogénio, e se forem diferentes das propriedades do hidrogénio, então descobrimos uma assimetria entre matéria e anti-matéria. Porque ainda não compreendemos plenamente por que razão não há mais anti-matéria no Universo.
Tem um mandato de cinco anos como diretor-geral, que termina em 2013. Quais são as suas maiores ambições para o CERN? A minha primeira ambição continua a ser que o LHC funcione bem. A segunda ambição é que, para além do LHC, precisamos de interessar o público mais jovem e o público em geral por outras experiências, precisamos de diversificar, e o caso do anti-hidrogénio é um bom exemplo. A terceira ambição é fazer do CERN um laboratório do século XXI, isto é, que não seja apenas europeu mas aberto a todo o mundo. Porque o próximo grande projeto na física de partículas só pode ser um projeto global. E o CERN é o laboratório que está mais bem preparado para o receber. Temos uma grande experiência de cooperação a nível internacional e estou muito apostado em abrir o CERN de várias maneiras. A primeira é a possibilidade de ter Estados-membros fora da Europa. A segunda é a introdução do estatuto de associado, também para países fora da Europa, que não terão de pagar tanto como um Estado-membro, recolhendo benefícios na mesma proporção. Esta inovação foi aprovada em junho e em setembro assinei a primeira carta de intenções para a entrada do Brasil como primeiro membro associado. Estou muito contente com isso. Há também discussões com outros países das Américas e da Ásia.
Falou de um projeto global liderado pelo CERN. Que projeto é esse? O que sabemos hoje sobre a física de partículas a partir dos aceleradores sabemo-lo porque temos dois instrumentos: o colisionador de hadrões como o LHC ou o Tevatron americano, e o colisionador eletrão-positrão. É semelhante à astrofísica, onde temos telescópios espaciais e telescópios em terra, e usamos os resultados dos dois para obtermos um retrato completo da realidade. No nosso caso, só a combinação dos resultados dos dois tipos de colisionadores permite obter o resultado final. Estou convencido que o próximo passo depois do LHC será a construção de um novo colisionador eletrão-positrão, com 50 km de comprimento, em vez dos 27 km do LHC. Será um colisionador como o LEP (já desativado) que ocupava o túnel que pertence hoje ao LHC, mas com a energia multiplicada por um fator de 3 a 10. O custo será semelhante ao LHC, isto é, cerca de quatro mil milhões de euros. Mas é um projeto para 20 a 30 anos, o que significa que não é assim tanto dinheiro gasto anualmente. A física de partículas é cara, sem dúvida, mas a construção de um colisionador leva dez anos, o tempo de vida útil dez a 20 anos, e há contribuições financeiras de uma grande diversidade de países, incluindo fora da Europa.
fonte: Expresso
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