A teoria e a experiência não batem certo
“Das três uma: ou a teoria está incompleta e há qualquer coisa que ela não consegue prever; ou os cálculos estão errados; ou o valor de uma das constantes mais bem conhecidas da física está errado”, diz-nos pelo telefone Joaquim Santos, da Universidade de Coimbra. A teoria de que fala é a Electrodinâmica Quântica, ou QED, um dos pilares da física, que descreve as interacções entre a luz e a matéria e é uma das mais bem sucedidas na previsão das propriedades dos átomos. Os cálculos de que fala são aqueles que, a partir dessa teoria, permitem calcular o tamanho (o raio) do protão, um dos constituintes de base dos átomos. A constante de que fala é uma constante física fundamental, chamada constante de Rydberg e cujo valor também está ligado ao tamanho do protão.
Por que é que uma destas três coisas poderá ter um problema? Porque uma equipa internacional de cientistas, entre os quais a de Joaquim Santos (onde se incluem também investigadores da Universidade de Aveiro) publica hoje na revista “Nature” um resultado que mostra que o protão poderá ser mais pequeno do que se pensava.
Hoje em dia, o raio do protão é conhecido com uma precisão de apenas um por cento, principalmente através da espectroscopia feita ao átomo de hidrogénio (que não é senão um protão com um electrão à volta). E o que os 32 investigadores da equipa – do Instituto Max Planck, na Alemanha; do Instituto Paul Scherrer e do ETH Zurique, ambos na Suíça; do Laboratório Kastler Brossel em Paris; dos EUA e de Taiwan; e de Coimbra e Aveiro – pretendiam era aumentar essa precisão de um por cento para um por mil, acrescentando mais uma casa decimal ao valor oficial em vigor, que é de 0,8768 femtometros (milésimos de bilionésimo de metro). “Precisávamos de melhorar a precisão porque [as previsões] da teoria QED estão limitadas pela precisão do raio do protão”, explica Joaquim Santos. Só que, quando o mediram, o valor que obtiveram estava vários pontos percentuais abaixo do previsto. O novo valor, obtido através de um dispositivo experimental novo e muito sofisticado, é de 0,84184 femtometros – ou seja, cerca de quatro por cento mais pequeno.
O resultado foi obtido há um ano – a 5 de Julho de 2009 – mas demorou este tempo todo a confirmar. O sucesso da experiência, na mira dos especialistas desde os anos 1970, deveu-se a vários factores. Passou pela capacidade de produzir uma forma “exótica” de hidrogénio – um hidrogénio onde o electrão é substituído por um muão (uma partícula muito instável de igual carga mas 200 vezes mais pesada que o electrão, que torna as medições mais precisas). Hoje, tornou-se possível produzir hidrogénio muónico com um tempo de vida de quase um microssegundo, um período de tempo suficiente para o bombardear com impulsos laser de alta potência. O sucesso passou aliás também pelo desenvolvimento de lasers ultra-rápidos e pela melhoria dos detectores de raios-X emitidos pelos muões – da responsabilidade da equipa portuguesa. A experiência foi realizada no Instituto Paul Scherrer, “que tem o feixe de muões mais potente do mundo”, diz ainda Joaquim Santos. E os sistemas de lasers foram desenvolvidos pelas equipas francesa e alemã.
Mas apesar disso, o dispositivo não funcionou à primeira. “Em 2003, 2005 e 2007, não conseguimos”, prossegue o investigador. Pensaram que o problema vinha dos lasers, mas estavam enganados: “Estávamos a olhar para o sítio errado.” Por outras palavras, estavam a sintonizar os lasers nas frequências erradas – como um operador de rádio que não ouve nada porque se enganou na frequência de transmissão. Por isso, em 2009, varreram várias frequências – e ai sim, detectaram o sinal que procuravam há dez anos.
Próximas etapas: fazer o mesmo com deutério muónico (o deutério é uma forma de hidrogénio cujo núcleo inclui um neutrão) e com hélio muónico (dois protões e dois electrões, para além de neutrões).
O que acontecerá se os cálculos, que os teóricos vão agora ter de rever, estiverem certos? Se for o caso de a teoria estar incompleta, isso poderá dar lugar “a uma nova física, a novos conhecimentos”, responde Joaquim Santos. “Se a teoria estiver incompleta, significará que pensávamos que sabíamos tudo e chegámos à conclusão de que há qualquer coisa que ainda não sabemos.”
fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário