Nos últimos 15 anos, as girafas registaram um declínio de 40% das suas populações em África, havendo agora cerca de 90.000 animais na natureza.
O genoma da girafa foi sequenciado pela primeira vez, revelando particularidades do seu ADN que explicam como é que o mamífero mais alto da Terra desenvolveu um extraordinário pescoço comprido. Ser uma girafa não é fácil. Bombear sangue dois metros acima do peito, para o cérebro, exige um coração turbinado e o dobro da pressão arterial de outros mamíferos.
As girafas têm válvulas de segurança especiais, que permitem que se baixem para beber água e que voltem a levantar-se sem desmaiarem. O seu coração evoluiu para ter um ventrículo esquerdo invulgarmente grande, explica-se ainda num comunicado da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), envolvida na sequenciação do genoma da girafa publicada na edição desta semana da revista Nature Communications. Há muito tempo que a configuração corporal única deste animal, que pode chegar aos seis metros de altura, é um quebra-cabeças para os biólogos, incluindo Charles Darwin, que se questionou sobre as origens evolutivas da girafa.
Agora, ao comparar o genoma da girafa com o do seu parente mais próximo, o ocapi, de pescoço curto, e o de outros 40 mamíferos (incluindo vacas, ovelhas, cabras, camelos e humanos), uma equipa de cientistas desvendou parte do quebra-cabeças ao descobrir mudanças num pequeno conjunto de genes responsáveis tanto pela forma do corpo como pela circulação sanguínea. Isto sugere que o desenvolvimento de um pescoço comprido e de um coração poderoso andaram de mãos dadas, originado por um pequeno número de mudanças genéticas.
Especificando, cerca de 70 genes da girafa apresentam sinais múltiplos de adaptações, refere o comunicado. E mais de metade destes genes dá instruções de fabrico de proteínas que se sabe regularem o desenvolvimento e a fisiologia dos sistemas nervoso, cardiovascular e esquelético. “Há muitas teorias sobre como o pescoço das girafas ficou comprido, mas parece que o desenvolvimento do sistema cardiovascular e do sistema esquelético evoluíram em paralelo”, disse um dos autores do trabalho, Morris Agaba, do Instituto Africano para a Ciência e a Tecnologia, na Tanzânia.
Ao contrário das aves com pescoços compridos, que têm vertebras adicionais, as girafas possuem as mesmas sete vertebras no pescoço encontradas em todos os mamíferos, embora estejam grandemente alongadas. O mesmo aconteceu com os ossos das patas das girafas, animais capazes de fazer correrias de 60 quilómetros por hora. “Pelo menos dois genes são necessários [para se ter ossos tão grandes] – um gene que especifica a região do esqueleto para crescer e outro gene para estimular o crescimento acrescido”, explicou outro elemento da equipa, Douglas Cavener, da Universidade Estadual da Pensilvânia, citado no comunicado.
Entre as particularidades genéticas, está ainda um gene que comanda o fabrico de uma molécula que serve de receptor para o ácido fólico, uma vitamina do complexo B necessária para o desenvolvimento e crescimento normais. Outro gene está envolvido no metabolismo dos ácidos gordos voláteis produzidos pela fermentação das plantas ingeridas, ácidos esses que são a principal fonte de energia das girafas e de outros animais ruminantes, como as vacas. “A girafa tem uma dieta invulgar à base de folhas de acácias e cápsulas de sementes, que são altamente nutritivas mas também tóxicas para outros animais. Os cientistas especulam que os genes responsáveis pela metabolização das folhas das acácias podem ter evoluído na girafa para contornar essa toxicidade”, lê-se também no comunicado.
Para o trabalho, os cientistas sequenciaram o genoma completo de duas girafas-masai fêmeas (Giraffa camelopardalis tippelskirchi, a maior subespécie de girafa), uma da reserva Masai Mara no Quénia e a outra do jardim zoológico de Nashville (EUA). Também o macho ocapi (Okapia johnstoni) utilizado neste trabalho estava nos Estados Unidos.
Um ocapi
“As sequências genéticas do ocapi são muito semelhantes com as da girafa, porque ambos divergiram de um antepassado comum há apenas 11 a 12 milhões de anos – o que é relativamente recente à escala da evolução”, explicou Douglas Cavener, no comunicado. “Apesar desta relação evolutiva próxima, o ocapi parece-se mais com uma zebra e faltam-lhe a altura imponente da girafa e as capacidades cardiovasculares impressionantes. Por estas duas razões, as sequências do genoma do ocapi são uma janela poderosa que utilizámos para identificar algumas das mudanças genéticas únicas da girafa.”
A descoberta dos factores genéticos envolvidos no extraordinário sistema cardiovascular da girafa também poderá dar informações sobre a saúde humana, uma vez que estes animais parecem ser capazes de evitar o tipo de danos nos órgãos muitas vezes encontrados em pessoas com pressão arterial elevada.
No entanto, a questão fundamental sobre a razão por que é que as girafas evoluíram de forma a terem pescoços enormes mantém-se em aberto. A ideia aparentemente evidente de que foi para atingirem alimentos cada vez mais altos tem sido questionada nos últimos 20 anos pela hipótese concorrente de que, na verdade, isso se deve à selecção sexual e à competição entre machos por parceiras.
“Esperamos que a publicação do genoma da girafa e das pistas da sua biologia única chamem a atenção para esta espécie à luz do declínio acentuado das suas populações”, alertou Douglas Cavener. “Enquanto a situação dos elefantes – o companheiro mais pequeno das girafas na savana africana – recebeu a maior parte das atenções, as populações de girafas sofreram um declínio de 40% nos últimos 15 anos devido à caça furtiva e perda de habitat”, acrescentou o investigador. Segundo a Fundação para a Conservação da Girafa, há agora cerca de 90.000 girafas em África. “A esta taxa de declínio, o número de girafas na natureza irá cair para menos de 10.000 no final deste século”, alerta ainda Douglas Cavener. “Algumas das subespécies de girafas já estão à beira da extinção.”
fonte: Público
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