A hipotermia induzida é uma nova técnica para evitar lesões cerebrais em bebés que nascem com asfixia. Em Portugal, desde Janeiro, que é usada em recém-nascidos. Os médicos estão confiantes que ao descer a temperatura corporal até aos 33,5ºC é possível minimizar os danos no cérebro provocados pela falta de oxigénio. A terapia também já é usada no País em adultos com paragens cardiorrespiratórias e em cirurgias cardíacas.
Desde Janeiro deste ano que é usada em Portugal uma nova técnica de "congelamento" de recém-nascidos que evita e minimiza lesões cerebrais quando há asfixia moderada a grave durante o parto. O Hospital de Santa Maria, em Lisboa, foi a primeira unidade no País a aplicar a hipotermia induzida, e, em Setembro, foi a vez da Maternidade Alfredo da Costa (MAC), na capital, iniciar o processo. No total, 19 crianças já foram submetidas a este tratamento (15 em Santa Maria e quatro na MAC).
Maria João foi um dos bebés já tratados com a nova técnica. A 6 de Setembro, com apenas quatro horas de vida, foi transferida de emergência do Hospital de São João, no Porto, para o Serviço de Neonatologia de Santa Maria, em Lisboa, para lhe ser aplicada a hipotermia. "Durante o trabalho de parto sofri uma ruptura da vasa prévia, ou seja, a placenta e o cordão umbilical rebentaram e precisei de uma cesariana urgente. A Maria João nasceu numa situação aguda, com uma asfixia grave", lembra a mãe, Marisa Morais, de 32 anos. Mandá-la para Lisboa era a solução. "Depois do choque inicial, só pensei no melhor para a minha filha. Se a hipotermia induzida era o melhor para ela, então autorizei que a fizessem", sustenta o pai António Jesus, de 37 anos.
Às 22.00, uma equipa de médicos e enfermeiros de Santa Maria estavam a postos para receber a recém-nascida. Foi de imediato enrolada num fato, ligado a um sistema de arrefecimento, que fez cair a temperatura corporal até aos 33,5ºC de forma controlada. Maria esteve assim durante 72 horas, sedada e entubada, até que voltou a ser aquecida.
"Foi sempre acompanhada e monitorizada a partir de ressonâncias magnéticas. Aparentemente está bem no que diz respeito à actividade cerebral. Da asfixia ficaram, no entanto, problemas renais", lamenta o pai.
"A asfixia perinatal é uma causa importante de mortalidade e de sequelas neurológicas graves no recém-nascido", sublinha o director do Serviço de Neonatologia, Carlos Moniz. Nestes casos, a hipotermia induzida "é uma terapêutica muito promissora, eficaz e segura para este problema de saúde", acredita o pediatra. "É um avanço importante na assistência aos recém-nascidos" com estes problemas, completa Teresa Tomé, responsável do serviço de Neonatologia da MAC.
Segundo Carlos Moniz, a asfixia provoca uma produção excessiva de neurotransmissores (substâncias químicas produzidas pelos neurónios), responsáveis pela morte celular.
"A redução da temperatura corporal permite limitar e diminuir a produção dessas substâncias, evitando que os bebés fiquem com lesões cerebrais", garante.
Nos registos do Serviço de Neonatologia, Maria João aparece como um caso de sucesso. Mas nem sempre os resultados são tão positivos, admitem os clínicos.
"A taxa de sucesso a 100% é de apenas um em cada seis a oito bebés. Mas os recém-nascidos que fazem hipotermia ficam com muito menos lesões do que os que não fazem", garante Carlos Mo-niz. "Está provado que a técni- ca permite quebrar a morbilida- de e o grau de sequelas em 19%", atesta, lembrando que o tratamento obriga a um acompanhamento das crianças durante 18 meses.
O método já foi testado em centenas de recém-nascidos, comprovado cientificamente e considerado como um tratamento standard na asfixia perinatal, mas apenas em bebés acima das 36 semanas.
"Em prematuros não há estudos que mostrem a sua eficácia", diz o pediatra.
Ainda assim não pode ser aplicada a todos os recém-nascidos com asfixia. "A hipotermia induzida só é aplicada até seis horas depois do nascimento, em situações moderadas a graves. Em certos casos estende-se a janela de eficácia até às 12, mas é mais difícil a recuperação", explica Carlos Moniz.
O aparelho de diminuição controlada da temperatura custou ao Hospital de Santa Maria 17 mil euros. "Como o projecto está cientificamente comprovado, a administração considerou o equipamento indispensável", refere Carlos Moniz.
Na MAC o apoio chegou de fora: "Conseguimos implementar esta técnica através de projecto submetido à Missão Sorriso, que nos permitiu não só adquirir o equipamento como investir na formação", diz Teresa Tomé.
Para já, só estas duas unidades hospitalares de Lisboa recebem crianças nestas situações, mas esperam que o projecto possa ser alargado a todo o País, de forma a reduzir as lesões nos bebés.
fonte: DN
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