segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Córnea artifical pode acabar com espera para transplante


Investigadores desenvolveram em laboratório implantes feitos a partir de tecido humano que já permitiram a dez pessoas recuperar a visão. O novo método tem enormes vantagens: evita a espera por um dador compatível e reduz riscos de rejeição

Ao longo dos anos, os cientistas têm batalhado para encontrar um método que acabe com as longas listas de espera para o transplante de córnea (camada mais superficial e central do olho), que permite aos doentes recuperar a visão. Os dadores não são em número suficiente e, embora já existam transplantes de córneas artificiais, nem todos as toleram. O grande desafio tem sido conseguir um produto que provoque menos infecções e rejeições.

Segundo a edição da revista Science Translational Medicine, a solução poderá estar muito próxima. A partir de córneas artificiais à base de colagénio (tecido humano), uma equipa de investigadores suecos e canadianos conseguiu que dez pessoas voltassem a ver perfeitamente. A novidade está no material usado, que, por conter genes humanos, não é rejeitado pelo organismo.

"Os resultados são muito encorajadores. O objectivo é chegar a um produto que beneficie todas as pessoas que não tenham um dador compatível e estejam há anos em listas de espera para o transplante", sublinhou ao DN Per Fagerholm, investigador do Hospital Universitário de Oftalmologia de Linköping, na Suécia, acrescentando: "No final, acredito que as vantagens das córneas biossintéticas farão delas um produto melhor até que os órgãos doados."

A perda da visão devido a doença ou lesão na córnea atinge mais de dez milhões de pessoas em todo o mundo. Em Portugal, cerca de 200 mil pessoas sofrem de problemas de córnea e, destas, perto de mil estão em lista de espera para um transplante.

Os especialistas portugueses mostram-se entusiasmados com a descoberta, mas chamam a atenção que a investigação ainda está numa fase muito preliminar.

"Obviamente que esta investigação vai ter benefícios para a população, reduzindo o número de doentes e complicações. Mas to-do o processo de avaliação ainda esta no início", lembra Joaquim Murta, do Serviço de Oftalmologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).

"As córneas para transplante são colhidas de dadores cadáveres, estudadas previamente quanto à compatibilidade ou não. No entanto, a procura é muito superior às córneas colhidas", constata Mun Faria, do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.

A visão humana depende da córnea, uma película de tecido transparente que cobre a superfície dos olhos e que refracta a luz para focar as imagens na retina. A película é frágil e pode danificar- -se facilmente devido a uma infecção ou a um desprendimento. Nestes casos, há uma perda da sua transparência e os doentes deixam de ver parcial ou totalmente. É então preciso um transplante de córnea para recuperarem a visão.

Durante a investigação, os médicos retiram cirurgicamente a parte danificada da córnea de dez doentes e substituíram-na pelo implante biossintético à base de colagénio. Durante 24 meses, a massa artificial criou o ambiente ideal para que as células e nervos do olho se multiplicassem, da mesma forma que acontece com as córneas de dadores.

"Conseguimos demonstrar que uma córnea fabricada artificialmente pode integrar-se no olho humano e estimular a regeneração dos tecidos. No final do tratamento estavam a ver quase a 100%", adiantou também ao DN a investigadora May Griffith, do Instituto de Investigação do Hospital de Otava, no Canadá.

"A procura de materiais sintéticos, o mais biocompatíveis possíveis, que substituam a córnea e evitem a rejeição, é um trabalho de investigação de longa du- ração", indica Joaquim Murta. "Este material descrito é ainda algo de muito recente desenvolvimento, está na fase um do ensaio clínico. Mas será certamente mais uma esperança na resolução destes problemas", espera o oftalmologista.

Luís Gouveia Andrade, oftalmologista no Hospital CUF Infante Santo, em Lisboa, olha para a descoberta com satisfação: "As grandes dificuldades do transplante resultam da dificuldade em arranjar dadores, no risco de rejeição com nova perda de visão e necessidade de nova cirurgia e, depois, no tempo de recuperação, habitualmente prolongado". Por isso, "a possibilidade de utilizar uma córnea sintética irá permitir o tratamento de muitos mais doentes".

Para o médico, a grande vantagem das novas córneas artificiais é evitar a rejeição. "Os implantes não contém células vivas, mas imitam a estrutura da camada mais espessa da córnea, formando uma base para a reconstituição das restantes camadas. Como tal, não existe risco de rejeição ou de infecção a partir deste implante."

Embora o estudo tenha sido feito apenas em dez pessoas, Luís Gouveia Andrade não tem dúvidas sobre a sua validade "É, de facto, uma amostra muito reduzida que deverá ser reforçada por estudos adicionais. Apesar de tudo, os resultados são importantes porque os doentes foram acompanhados durante dois anos."

"Qualquer investigação neste campo é muito importante. Ainda que experimentais, estas córneas parecem ser prometedoras, dado não provocar rejeição, e ter a possibilidade de substituir os transplantes humanos, de que há uma grande lista de espera", justifica a oftalmologista Mun Faria.

No entanto, alerta, "qualquer trabalho tem sempre de ser primeiro conhecido e testado no meio científico".

fonte: DN

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