Desenho de um chimpanzé-do-leste-africano (subespécie Pan troglodytes schweinfurthii), da região do Bili-Uéré, no Norte da República Democrática do Congo
Mais parecidos connosco do que imaginamos, os chimpanzés não param de surpreender. Na República Democrática do Congo, encontrou-se uma nova cultura entre os chimpanzés, que passam técnicas de caça nunca antes observadas de geração em geração.
Já se sabia que os humanos não são a única espécie a possuir cultura e que os chimpanzés também a têm. Agora, os chimpanzé-do-leste-africano (da subespécie Pan troglodytes schweinfurthii), da região do Bili-Uéré, no Norte da República Democrática do Congo, vieram mostrar-nos novos conhecimentos transmitidos culturalmente às gerações seguintes. Os chimpanzés desta região, além de usarem pauzinhos de vários tamanhos para extrair formigas, térmitas e mel de abelhas, utilizam uma fonte de alimentação diferente de todos os outros chimpanzés: caracóis-gigantes-africanos e tartarugas que são atiradas contra o solo, tal como as frutas com cascas endurecidas de que também se alimentam.
“Os nossos resultados permitem-nos descrever uma nova cultura entre os chimpanzés, caracterizada por uma semelhança geral com múltiplos comportamentos ao longo de uma região vasta e ecologicamente diversificada, mas com diferenças subtis no que diz respeito às escolhas das presas e das técnicas [de caça]”, sublinha o artigo publicado na revista científica Folia Primatologica.
Uma equipa do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolutiva (na Alemanha) e da Universidade de Varsóvia (Polónia), entre outras instituições, estudou o comportamento desta comunidade de chimpanzés que se estende ao longo do rio Uele (onde desagua o rio Uéré, situado na região do Bili-Uéré), no Norte da República Democrática do Congo.
Esta nova cultura descoberta pelos cientistas apresenta um conjunto de características pela primeira vez descritas no mesmo grupo de chimpanzés. “Fazem os ninhos no solo à noite (um comportamento mais comum nos gorilas). Utilizam um conjunto de ferramentas para caçar vários insectos diferentes (e ferramentas muito compridas para caçar formigas). Recorrem a uma nova tecnologia em que os chimpanzés batem contra o chão fruta, termiteiras, caracóis-gigantes e tartarugas”, explica ao PÚBLICO autor principal do estudo, Cleve Hicks, investigador do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolutiva e professor na Universidade de Varsóvia.
Doze anos de investigação
O trabalho de investigação que durou 12 anos encontrou cerca de 221 ferramentas feitas com materiais como madeiras, ervas e lianas, que podiam chegar aos 1,2 metros de comprimento. Foram também encontrados utensílios nunca antes documentados: uma fruta utilizada como martelo para destruir termiteiras e uma ferramenta em forma de concha usada para caçar formigas. “Esta colher para formigas é, aparentemente, uma nova ferramenta não documentada em nenhuma outra subespécie de chimpanzés”, nota o artigo científico.
Além de abrir fruta com casca endurecida atirando-a contra o solo, estes chimpanzés vêm mostrar também uma nova fonte de alimentação – tartarugas da família Testudinidae e caracóis-gigantes-africanos. “Há outras populações [de chimpanzés] que abrem a fruta contra o solo, mas abrir termiteiras é muito raro e só foi visto na floresta de Taï (na Costa do Marfim). E esta é a primeira prova de tartarugas e caracóis-gigantes [usados como alimento]”, refere o investigador Cleve Hicks.
Foto Exemplos de ferramentas encontradas no Norte da República Democrática do Congo (imagem cedida pelos investigadores) SONIA URIBE
Durante a investigação no terreno, os cientistas encontraram fragmentos de tartarugas e caracóis-gigantes-africanos atirados também contra raízes de árvores ou rochas. Estas novas fontes de comida foram encontradas junto a zonas onde já tinham sido avistados chimpanzés ou onde havia vestígios recentes da sua presença. Ainda assim, “ainda é necessário confirmar através de observações directas que os chimpanzés atiram estes caracóis contra o solo”, ressalva o artigo.
Um rio que não separa culturas
O rio Uele separa dois tipos de habitats bastante diferentes: no norte existe uma floresta tropical da savana e no sul encontra-se uma floresta tropical húmida. Apesar da diferença de habitats, os investigadores observaram provas desta cultura de chimpanzés ao longo de toda a região estudada. “O comportamento dos chimpanzés era similar ao longo dos 50.000 quilómetros quadrados da região, embora existissem dois habitats diferentes a norte e a sul do rio Uele. O que me leva a pensar que estes chimpanzés, que apenas começaram a colonizar esta área recentemente, estão presos às suas tradições, independentemente dos diferentes habitats”, considera Cleve Hicks.
A expansão da cultura destes primatas surpreendeu a equipa de investigadores de tal forma que Cleve Hicks vai regressar ao local do estudo para “testar a hipótese de que esta cultura se estende a todo o Norte da República Democrática do Congo”. O investigador irá também estudar a razão por que, nesta nova cultura, os chimpanzés fazem os ninhos frequentemente no chão, em vez de os fazerem nas árvores.
Apesar da cultura dos chimpanzés se assemelhar em ambas as margens do rio, foram detectadas ainda algumas variações comportamentais. “A equipa identificou alguma variação geográfica no comportamento dos chimpanzés, incluindo diferentes quantidades de ferramentas para caçar formigas, a ausência de ferramentas para a extracção de mel a sul [do rio Uele] e apenas a norte do rio Uele foram encontradas ferramentas compridas para as formigas e sítios onde se bateu com a fruta no chão”, menciona um comunicado sobre o trabalho.
Esta nova cultura de chimpanzés lembra-nos das semelhanças entre nós e estes fabulosos primatas. Tal como os seres humanos, os chimpanzés produzem ferramentas – por exemplo, em Bossou, na Guiné-Conacri, a subespécie Pan troglodytes verus parte nozes com uma pedra que faz de martelo em cima de outra pedra, a bigorna – e passam esse conhecimento de geração em geração. Inspirado no trabalho da famosa primatóloga Jane Goodall, este estudo também reforça a importância de conservar estas espécies que continuam a ter tanto por nos ensinar.
fonte: Público
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