sábado, 22 de setembro de 2018

Peste Negra: afinal as ratazanas estavam inocentes


Estudo da Universidade de Oslo revoluciona tudo o que sabíamos sobre a pandemia. Peste bubónica matou, no século XIV, um terço da população europeia. Últimos casos do continente registados no século XX em Portugal.

Um estudo que vai ser divulgado na próxima semana pela Universidade de Oslo está a por em causa uma boa parte daquilo que a comunidade científica dava como estabelecido em relação à Peste Negra.

«Testámos vários modelos para perceber como a doença se tinha espalhado pela Europa no século XIV. E houve um que nos impressionou com os resultados absolutamente avassaladores», diz à Notícias Magazine Katie Dean, a bióloga norte-americana que desenvolveu esta investigação a partir da academia norueguesa.

A peste bubónica terá sido espalhada por piolhos e pulgas, já que as ratazanas não sobreviveriam às temperaturas escandinavas, por exemplo.

«Afinal não foram as ratazanas que espalharam a peste bubónica. Foram os piolhos e as pulgas que as pessoas traziam consigo.»

A desconfiança da universidade norueguesa partiu de um dos grandes mistérios que existiam em relação à doença.

«É que, apesar de existir um relativo consenso de que foram as ratazanas a proliferá-la, o facto é que elas não se conseguem adaptar ao clima escandinavo, onde a peste bubónica foi igualmente devastadora.»


A Peste Negra chegou à Europa em 1346 através dos mercadores da Rota da Seda, tendo-se rapidamente espalhado por todo o continente.

A Portugal chegou no outono de 1348 e matou entre um terço e metade da população, levando o país ao caos.

Mundialmente estima-se que os números de mortes variem entre 75 e 200 milhões. Um terço da população europeia morreu desta doença na segunda metade do século XIV.

Se fosse transmitida por roedores, teria de existir registo de grande mortalidade da espécie. Algo que não se verifica.

Uma das evidências que ajuda a dar credibilidade ao estudo de Katie Dean é que, se fosse espalhada pelos ratos, ter-se-ia assistido a uma enorme mortalidade de roedores, algo que não se verifica.

O contágio através de piolhos e pulgas, pelo contrário, é o modelo mais credível para a velocidade de transmissão da pandemia.

Estavam presentes na roupa, nas casas, em todos os elementos da vida medieval.

A Peste Negra foi a segunda grande pandemia de peste bubónica a rebentar no mundo. A primeira, conhecida como Praga de Justiniano, eclodiu na China no século VI e espalhou-se através do Egipto pelo Mediterrâneo, estimando-se que tenha matado 100 milhões de pessoas.


A segunda foi a mais letal. Os efeitos da Peste Negra, intensos durante o século XIV, prolongar-se-iam até ao século XVIII. E, na segunda metade do século XIX, eclodiria a terceira pandemia na Ásia, que teve poucas manifestações na Europa.

Portugal foi, no entanto, a exceção à regra do Velho Continente. Em 1899 a peste voltaria ao território, sendo diagnosticada no Porto – agora sim, por contágio através de ratazanas que viajavam nos barcos vindos de Macau.

Continuam a existir no mundo bolsas residuais de peste bubónica. Em 2017 eclodiu um surto em Madagáscar.

O médico Ricardo Jorge conseguiu investigar e conter a pandemia no país no início do século XX, impedindo-a de avançar pela Europa. Mas continuaria a haver registos de casos até à década de 1950, quando a descoberta de uma vacina a conteria em definitivo.

«Continuam a existir bolsas de reserva da peste bubónica no mundo», diz Katie Dean. A prová-lo está aliás o surto que eclodiu em 2017 em Madagáscar.

«Sabemos que há presença na fauna asiática, africana e americana.» É portanto através dos animais que a doença chega às populações humanas. Ratos e piolhos, morcegos e pulgas são normalmente transmissores da doença. Mas, pelo menos no século XIV, o que toda a gente achava – que tinham sido as ratazanas – não foi exatamente o que aconteceu.

Christopher Duncan, professor jubilado da Universidade de Liverpool, já tinha defendido em 2004 a impossibilidade de serem as ratazanas a transportarem a peste, numa conferência no Museu da Farmácia. Acreditava antes na possibilidade de um virús hemorrágico. Katie Dean, 14 anos depois, replicou modelos e considera este mais provável: foram pulgas e piolhos. Mas concorda nisto com Duncan: os ratos estão inocentes.


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