Imagem da capa do livro "New Science from Old News", da investigadora Cristina Brito
Marinheiros e missionários portugueses dos séculos XV ao XVIII também foram naturalistas. Os seus relatos estavam esquecidos.
Eram marinheiros, missionários, exploradores ao serviço da coroa portuguesa, mas os "monstros marinhos" e prodígios da natureza que viram no Atlântico e no Novo Mundo marcaram-nos. Muitos deles foram os primeiros a descrever animais e plantas que só muito mais tarde viriam a ser "descobertos" pelos naturalistas de Oitocentos. Mas esses relatos, do século XV ao XVIII, escritos na maioria em português e em muitos casos nunca publicados, quase não chegaram ao conhecimento dos intelectuais europeus da época. E assim permaneceram até hoje.
É essa proto-história das ciências naturalistas em português que a bióloga e historiadora Cristina Brito está a redescobrir, em relatos antigos de monstros marinhos, sereias, manatins e outros prodígios, que foi desencantar nos arquivos e quer dar a conhecer ao público e aos outros investigadores.
Por isso escreveu e lançou ontem, em Lisboa, o livro New Science from Old News, assim mesmo, em inglês, "para chegar mais facilmente aos investigadores de todo o mundo que trabalham nesta área", justifica a cientista do Centro de História d"Aquém e d"Além-Mar (CHAM), da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, e da Escola de Mar, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
"Todas essas fontes documentais, como relatos de viagens, descrições de seres estranhos que nunca tinham sido vistos por europeus e ilustrações que estão nos arquivos nacionais são um manancial ainda inexplorado na investigação histórica da história natural, e devem passar a ser consideradas pelos investigadores que trabalham nesta área", diz.
Para chegar aqui, Cristina Brito embrenhou-se nos arquivos da Torre do Tombo, Academia das Ciências, Biblioteca Nacional e Hemeroteca Nacional Digital, na sequência do seu trabalho de doutoramento, concluído em 2010.
Bióloga de formação, enveredou pela investigação histórica quando se cruzou, em 2003, no arquivo de São Tomé, com relatos dos marinheiros portugueses dos Descobrimentos sobre o avistamento de cetáceos no Atlântico. Ficou tão fascinada que decidiu mergulhar no tema. E descobriu que, à sua maneira, e muito antes de tempo, esses marinheiros das primeiras caravelas também foram naturalistas. Foi o tema da sua tese de doutoramento.
Segredos reais e em português
Para aqueles exploradores pioneiros, os estranhos seres que avistavam no Atlântico eram todos "monstros marinhos". É assim que surgem nas suas descrições, como no texto de Pêro Magalhães de Gândavo, secretário de D. Sebastião, enviado ao Brasil em 1558, para contar das suas riquezas.
Na sua História da província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil, de 1576, Gândavo descreve em detalhe os seus recursos e riquezas, paisagens e geografia, flora e fauna. E fala, a certa altura, de um monstro marinho, que deveria ser um leão-marinho da América do Sul (ver caixa).
"O principal propósito do documento é discriminar recursos e produtos, mas depois surge também a descrição do monstro marinho, e esta coexistência é comum aos documentos da época, que pretendem sobretudo descrever as viagens e os novos ambientes e riquezas, e depois incluem descrições de animais e plantas. Neste caso, o monstro marinho", explica a investigadora. No entanto, ao contrário do que aconteceu com a maioria dos seres prodigiosos que surgem nas fontes portuguesas da época, o monstro marinho de Gândavo teve grande repercussão na Europa (ver caixa).
Para Cristina Brito, o facto de esses documentos estarem em português e não em latim (a língua franca da ciência na época), e o secretismo da coroa portuguesa, que queria preservar o domínio marítimo e os interesses económicos, ajudam a explicar que quase nada desses documentos chegasse ao resto da Europa. Depois, simplesmente, eles resvalaram para o esquecimento.
fonte: Diário de Noticias
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