quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Biólogos surpreendidos com morcegos que dormem dentro de plantas carnívoras


As plantas proporcionam abrigos para os morcegos

No Bornéu, pequenos morcegos dormem dentro de plantas carnívoras “em troca” dos nutrientes que lá deixam através das suas fezes e urina, segundo um estudo publicado na “Biology Letters”.

Ulmar Grafe, do Departamento de Biologia da Universidade do Bornéu e principal autor do estudo, admitiu que a relação entre estes morcegos lanudos da espécie Kerivoula hardwickii e a planta carnívora da espécie Nepenthes rafflesiana elongata foi uma descoberta “totalmente inesperada”.

“Existem muitos mutualismos [interacções entre duas espécies que se beneficiam reciprocamente] animal-planta mas, neste caso, é o animal que dá um nutriente à planta. Normalmente é ao contrário”, explicou à Reuters.

O estudo começou quando os investigadores procuraram saber como é que a planta – que pode crescer até aos dez metros e que tem recipientes de 25 centímetros – conseguia obter o nitrogénio necessário nas florestas tropicais do Bornéu, pobres em nutrientes. Além disso, estudos anteriores revelaram que esta planta captura sete vezes menos insectos do que outras carnívoras no Bornéu.

A equipa de Grafe foi surpreendida ao descobrir que uma espécie de morcego, que pesa cerca de quatro gramas, escolhe de forma consistente aquelas plantas para dormir durante o dia, em detrimento de outras alternativas de locais de repouso. À noite sai à caça de insectos. Em vez de obter o nitrogénio consumindo os morcegos, as plantas obtêm-no através das fezes e urina que estes mamíferos lá deixam.

Para chegar a esta conclusão, de 14 de Junho a 30 de Julho de 2009, os investigadores monitorizaram mais de 400 recipientes de plantas carnívoras e fixaram transmissores minúsculos nos morcegos. Estes dispositivos eram temporários e caíram passados entre três a doze dias.

“O recipiente das plantas carnívoras é um local de repouso muito bom para eles”, comentou Grafe. Na verdade, “os morcegos dependem dos abrigos para sobreviver, reproduzir-se e proteger-se dos seus predadores”, salienta o estudo. Aquele “é um local seco, que os protege da chuva e da radiação solar, e onde não existem parasitas que lhes sugam o sangue, ao contrário do que acontece em outras cavidades”, explicou.

De acordo com o estudo, “outras espécies de morcegos utilizam outros locais de descanso durante o dia (...) mas não se conhece nenhuma que escolha as plantas carnívoras”.

Teoricamente, há algum perigo para o morcego se este cair no fluído digestivo no fundo do recipiente da planta e que esta utiliza para capturar insectos. Mas a planta adaptou-se para evitar este risco, nomeadamente mantendo uma quantidade mais reduzida de fluído digestivo em relação a outras espécies.

“Existem tantas extinções de animais e redução de populações que isto sublinha a importância de salvarmos todos os indivíduos e cada criatura que vivem nas florestas do Bornéu”, salientou.

Jorge Palmeirim, do Departamento de Biologia Animal da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, especialista em morcegos, considera que esta é uma "situação invulgar" e "muito interessante". "Esta descoberta sugere que a planta alterou a sua morfologia de forma a ter a cavidade mais apropriada para os morcegos", comentou ao PÚBLICO. E isso não aconteceu de forma casual; antes se deveu a um processo evolutivo. "Este caso é bem diferente das espécies de morcegos que se abrigam nas folhas enroladas das bananeiras", por exemplo.

O biólogo lembrou outros casos de mutualismos, nas ilhas do Pacífico. "Nesta região, os morcegos são quase os únicos dispersores das sementes das árvores", garantindo a sobrevivência de todo o ecossistema. É um mutualismo "porque os morcegos se alimentam dos seus frutos e néctar, ao mesmo tempo que dispersam as sementes".

fonte: Público

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