quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Há um rio de ferro que corre cada vez mais depressa no interior da Terra

Ilustração do campo magnético da Terra, um escudo que nos protege da radiação cósmica e das partículas electricamente carregadas emitidas pelo Sol

Ilustração do campo magnético da Terra, um escudo que nos protege da radiação cósmica e das partículas electricamente carregadas emitidas pelo Sol ESA/ATG MEDIALAB

Três satélites europeus têm observado o campo magnético terrestre nos últimos três anos, para detectarem todas as suas mudanças e “verem” como é que este escudo invisível do planeta está a ser gerado no seu interior. Agora fizeram a sua primeira grande descoberta.

Por baixo da Sibéria e do Alasca, bem no interior da Terra, está a correr um rio de ferro líquido. Vai em direcção a oeste e move-se cada vez mais depressa – uma descoberta feita graças às observações de três satélites lançados em 2013 pela Agência Espacial Europeia (ESA).

Esse rio encontra-se no núcleo externo da Terra, rico em ferro e níquel, a cerca de 3000 quilómetros de profundidade. O nosso planeta tem 12.700 quilómetros de diâmetro e é composto por camadas: a seguir à crosta e ao manto está o núcleo externo e, depois, o interno. Enquanto o núcleo interno é sólido, indo dos 5100 quilómetros de profundidade até ao centro da Terra, o núcleo externo é líquido e vai dos 2900 quilómetros até aos 5100. Este líquido, superquente e em movimento, gera correntes eléctricas que, por sua vez, criam o campo magnético do planeta.

PÚBLICO -

Ilustração da corrente de ferro derretido no núcleo externo da Terra e da constelação de satélites que a descobriu ESA

Ora o campo magnético da Terra muda constantemente. Além disso, não há muitas maneiras de olhar para o interior profundo da Terra – as medições do campo magnético são uma dessas maneiras (as ondas sísmicas são outra). Ao registarem-se pormenorizadamente as mudanças do campo magnético é então possível inferir como é que o ferro se está a movimentar no interior do planeta. Por isso, a ESA lançou três satélites gémeos – na missão Swarm e que custará cerca de 230 milhões de euros – para fazer medições muito rigorosas do campo magnético terrestre e destrinçar todas as fontes que contribuem para ele.

Ainda que a fonte principal seja o núcleo externo, há outras mais, como rochas magnetizadas presentes na crosta terrestre e a ionosfera, uma das camadas exteriores da atmosfera. O campo magnético do planeta é o resultado da contribuição de diversas fontes, formando um escudo que nos protege da radiação cósmica e de partículas electricamente carregadas emitidas pelo Sol, e que são perigosas para nós e para as telecomunicações, por exemplo. “As medições precisas dos satélites da constelação Swarm vão permitir separar as diferentes fontes de magnetismo, tornando mais claro o contributo do núcleo”, explica a ESA em comunicado.

Foram as medições dos satélites Swarm que permitiram descobrir o rio de ferro na região do Pólo Norte, cujos materiais derretidos não só se deslocam mais depressa do que aqueles que estão à sua volta como o fazem cada vez mais depressa. Publicados num artigo científico na revista Nature Geoscience, por investigadores da Universidade de Leeds (no Reino Unido) e da Universidade Técnica da Dinamarca, os resultados das observações indicam que o ferro por baixo da Sibéria e do Alasca está agora a andar 45 quilómetros por ano, ou seja, cerca de cinco metros por hora. E que esta velocidade triplicou nos últimos 15 anos.

“Pode parecer que 45 quilómetros por ano não é muito. Mas nunca vimos nada mover-se tão depressa no interior da Terra”, sublinha Christopher Finlay, investigador da Universidade Técnica da Dinamarca e que está envolvido no projecto Swarm. “E é três vezes mais rápido do que tudo o resto no núcleo da Terra”, acrescenta o investigador, citado num comunicado da sua universidade.

Este rio tem cerca de 420 quilómetros de largura, estende-se por 7000 quilómetros de comprimento e é provável que vá até aos 5000 quilómetros de profundidade. Os cientistas comparam-no a um fenómeno existente na atmosfera a grande altitude – as correntes de jacto, que são correntes estreitas de vento forte e que corre de forma quase horizontal. “É uma descoberta fascinante. É a primeira vez que vimos esta corrente de jacto de forma tão clara”, diz Christopher Finlay, referindo-se ao ferro líquido. “Esta corrente de jacto pode ser importante no dínamo que gera o campo magnético da Terra. Também pode estar a causar mudanças na taxa de rotação do núcleo interno da Terra. Ao compreendermos melhor a física do núcleo, acabaremos por fazer melhores previsões sobre as mudanças futuras do campo magnético da Terra”, acrescenta o investigador.

“É provável que haja mais surpresas”, antevê por sua vez Rune Floberghagen, responsável da ESA pela missão Swarm. “O campo magnético está sempre a mudar, o que até pode levar a corrente de jacto [de ferro derretido] a mudar de direcção.”

fonte: Público

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