A esfera de 18 metros de diâmetro é um detector de neutrinos, partículas que pouco interagem com a matéria
A descida faz-se no elevador para 50 pessoas, ao lado de mineiros e vestidos tal qual como eles, com os fatos-macaco e os capacetes com as luzes à frente. Lá em baixo, a dois quilómetros de profundidade, os caminhos separam-se: enquanto os mineiros ainda vão descer mais, para extraírem níquel na mina, eles, os cientistas, incluindo portugueses, têm de caminhar 20 minutos, entre lama e água, até chegarem aos laboratórios onde vão à caça dos neutrinos e da matéria escura.
Este é o laboratório científico mais profundo do mundo – Snolab é o seu nome – e fica no Canadá, na mina de Creighton, perto de Sudbury e a 400 quilómetros a noroeste de Toronto, na província do Ontário. Foi inaugurado esta quinta-feira. Na cerimónia estiveram dois físicos portugueses, Gaspar Barreira, presidente do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), e José Maneira, da mesma instituição e responsável pela participação portuguesa numa das experiências científicas no fundo da mina.
“Quando chegamos ao laboratório, a primeira coisa que temos de fazer é despir a roupa, tomar banho e vestir roupa limpa. E todos os materiais que levamos são envolvidos em plástico, para não transportarem pó da mina para o laboratório”, descreve a física Sofia Andringa, do LIP, que também participa nessa experiência.
As condições do laboratório têm de ser bastante limpas para que as experiências não fiquem contaminadas pela radioactividade natural das paredes da mina. Nas salas “limpas”, depois dos chuveiros e do refeitório, encontram-se vários detectores. Alguns deles vão procurar a matéria escura, que é a matéria que se sabe existir devido aos seus efeitos gravitacionais nas galáxias e que constitui grande parte do Universo, mas não emite luz. Nem se sabe se é feita por uma partícula que chegue até nós, para, é claro, poder ser descoberta.
Noutros detectores vão apanhar-se os neutrinos, partículas quase sem massa e que pouco interagem com a matéria – incluindo o nosso corpo, que atravessam aos milhares de milhões por segundo –, o que torna a sua detecção particularmente difícil.
Mas, ao contrário da matéria escura, os neutrinos já se detectaram. Mais: no laboratório que antecedeu o Snolab, na mesma mina, só que mais pequeno – o Observatório de Neutrinos de Sudbury (SNO, na sigla inglesa) –, desvendou-se o caso dos neutrinos desaparecidos, numa série de resultados publicados entre 2001 e 2006.
O caso era o seguinte: as teorias diziam que o Sol produzia um tipo de neutrinos solares, os neutrinos do electrão, em quantidades copiosas. O problema é que deveriam chegar à Terra mais destas partículas do que as que eram detectadas. Algo estava errado ou com as teorias sobre o Sol ou com o que se sabia sobre os neutrinos. O mistério ficou resolvido quando as observações no SNO permitiram perceber que os neutrinos do electrão emitidos pelo Sol se transformam nos outros dois tipos de neutrinos (do muão e do tau, de detecção ainda mais difícil) no caminho para a Terra. Portugal, refere um comunicado de imprensa do LIP, também participou nessa experiência.
Esfera de 18 metros de diâmetro
O SNO foi desactivado em 2007, mas o seu sucesso levou um grupo de cinco universidades do Canadá a querer aprofundar os mistérios dos neutrinos, nomeadamente determinar de forma mais rigorosa a sua pequena massa, compreender melhor os mecanismos de produção de energia do Sol e saber mais sobre os neutrinos produzidos por estrelas que morrem (as supernovas). Ou ainda obter mais informação sobre a estrutura interna do nosso planeta, mediante os neutrinos que resultam das desintegrações radioactivas de átomos no interior da Terra.
Assim nasceu o Snolab, que agora expandiu as instalações iniciais para os 5000 metros quadrados e juntou aos seus objectivos a revelação do mistério da matéria escura do Universo. Além do Canadá e de Portugal, através do LIP, no Snolab participam instituições norte-americanas, britânicas e alemãs.
Um dos detectores de neutrinos é uma esfera de 18 metros de diâmetro, que foi reaproveitada do laboratório inicial na mina, e é nesta experiência que participa o LIP. Com dez mil detectores de luz à volta, a esfera ficará submersa, o que ajudará a isolá-la da radioactividade natural da mina, para que não interfira com os resultados da experiência.
No interior da esfera, há uma segunda esfera em acrílico transparente – com um líquido cintilador lá dentro, que cria muita luz quando um neutrino interage com ele, explica Sofia Andringa. E os dez detectores de luz captarão os sinais desse neutrino. O LIP contribui para esta experiência com o desenvolvimento de um sistema de calibração dos dez mil detectores, que têm de estar todos sincronizados. Por enquanto, não havendo ainda resultados para analisar e interpretar, os físicos portugueses têm também estado a fazer simulações sobre a sensibilidade do detector.
Mas porquê procurar a resolução de mistérios da física no fundo de uma mina? Porque aqui pode-se ter um laboratório suficientemente isolado, que não apanha com a cascata de partículas criada na atmosfera pelos raios cósmicos que vêm de outras estrelas, o que torna ainda mais difícil caçar os neutrinos.
fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário