Cientistas olharam para o passado do Universo, para tentar descobrir o que é a energia escura
Há cerca de 7700 milhões de anos algo mudou: a bolacha cósmica que é o Universo começou a esticar-se cada vez mais depressa, com as suas pepitas de chocolate, os agrupamentos de galáxias, a afastarem-se umas das outras a velocidades cada vez maiores. Esta mudança terá ocorrido quando a força gravítica ficou em segundo lugar em relação à componente mais comum do Universo: a energia escura, que entrou em cena e ligou o turbo. Ninguém sabe o que é esta energia, mas uma equipa internacional de cientistas apresentou ontem o primeiro mapa de quase 300.000 galáxias da altura em que ela tomou as rédeas do cosmos, para tentar desvendar a sua natureza.
"Fizemos medições rigorosas de estruturas a grande escala de como era o Universo de há cinco a sete mil milhões de anos", explica David Schlegel, o principal investigador deste projecto, chamado BOSS, que quer ao todo mapear um milhão de galáxias ao longo de seis anos. Para já, este mapeamento já resultou em quatro artigos submetidos à revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
"Estamos a olhar para distâncias no Universo na altura em que a energia escura se activou, onde pode começar-se a fazer experiências para descobrir o que causou a aceleração da sua expansão", disse o investigador, que trabalha no Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, Califórnia, Estados Unidos, em comunicado. "O resultado é fenomenal. Temos apenas um terço dos dados do projecto e já conseguimos medir a velocidade a que o Universo estava a expandir-se há 6000 milhões de anos", sublinhou ainda Will Percival, outro membro da equipa, da Universidade de Porthsmouth, no Reino Unido.
Em 1998, quando a observação de estrelas distantes mostrou que o Universo continuaria a expandir-se para sempre, um mar de questões atravessou os físicos. Qual era o papel da gravidade na expansão do Universo? Que força era responsável por esta expansão acelerada? Afinal, Einstein tinha razão e havia uma constante cosmológica, como ele a chamou, que contrariava a força da gravidade e o resultado era um Universo em expansão?
Desde então, foram-se abrindo algumas portas. As observações têm revelado que cerca de três quartos do Universo são constituídos pela energia escura que permeia o espaço entre as galáxias e é responsável por esta expansão desmedida. O resto é matéria escura invisível (também ninguém conhece a sua natureza), que parece agarrar as estrelas e os agrupamentos de galáxias entre si, e apenas 4% do Universo é o que conseguimos ver, os átomos, moléculas e outras partículas.
Mas a energia escura continua a ser um mistério. A equipa multinacional do BOSS, que utilizou um telescópio do Observatório Apache Point no Novo México, mediu a radiação emitida pelas galáxias, ou seja a luz que elas libertam. "Podemos identificar picos de emissão e "vales" de absorção característicos, que correspondem a riscas de elementos químicos presentes nas estrelas. Como o Universo está em expansão, a luz sofre um desvio para o vermelho, isto é, o comprimento de onda aumenta", explica ao PÚBLICO Mário Santos, físico e investigador do Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Esta medição permite conhecer a que distância é que estas galáxias se encontram.
"Ao medirmos a posição das galáxias no céu, bem como o desvio para o vermelho, podemos medir como essas galáxias estão distribuídas no Universo. Esta distribuição não é aleatória, existe um pico na distribuição de galáxias para distâncias de cerca de 500 milhões de anos-luz", acrescenta o investigador.
Segundo o cientista português (que não está envolvido no projecto), este dado ajuda a identificar com muita precisão a distância às galáxias, assim como o efeito da energia escura nestas ilhas de matéria do Universo.
Até agora, todas as observações apontam para uma direcção. "A matéria normal é apenas uma pequena percentagem do Universo. A maior componente é a energia escura - uma energia irredutível associada ao próprio espaço que está a acelerar a expansão do Universo", disse Ariel Sanchez, do Instituto Max Planck, na Alemanha, também da equipa. A investigação vai continuar para o resto do milhão de galáxias que falta analisar.
"Estamos apenas a começar a explorar a altura em que a energia escura se ligou. Se houver surpresas à espreita, esperamos encontrá-las", diz David Schlegel.
fonte: Público
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