sábado, 12 de maio de 2012

Quando a Igreja era controlada pelas amantes dos Papas


Quando um Papa deixava de aparecer em público, o mais provável era ter sido estrangulado. Mas também podia ter sido desfigurado, como Estêvão IX, a quem arrancaram os olhos, cortaram os lábios, a língua e as mãos.

Podia igualmente ter fugido com o tesouro papal, como fez Bento V. Ou talvez estivesse apenas em retiro nalgum bordel, coisa que a maioria fazia com frequência.

Era assim a vida dos Papas nos séculos IX e X, diz Brenda Ralph Lewis, a autora do livro 'A História Negra dos Papas' (lançado na semana passada em Portugal, pela Oficina do Livro). 

Neste período, chamado de “pornocracia papal”, a liderança da Igreja Católica era associada a todo o tipo de crimes. Muitas vezes, as vítimas eram os próprios Papas: houve 24 entre os anos 872 e 904.

Bonifácio VI (que foi eleito Papa embora tivesse sido duas vezes destituído de padre por causa do seu comportamento imoral) só esteve 15 dias no lugar. Depois, não se sabe o que lhe aconteceu. Pode ter sido envenenado ou deposto, porque a luta pelo trono de São Pedro era feroz.




Para apressar a morte de João VIII, que depois de ter sido envenenado estava a demorar muito tempo a morrer, os assassinos até lhe esmagaram o crânio com martelos.

Às vezes, os Papas eram apenas usados nas intrigas das amantes e, por isso, a era também ficou conhecida como a do domínio das rameiras, escreve a autora britânica, que já escreveu mais de 80 livros.

A história mais arrepiante da influência das mulheres nos papados talvez seja a do sínodo do cadáver (julgamento do cadáver), uma assembleia eclesiástica que se realizou em 897.

O Papa que convocou a assembleia foi Estêvão VII, instigado por uma aristocrata, a duquesa Agiltrude. Parece que toda a gente sabia que Estêvão era louco, mas mesmo assim Agiltrude conseguiu elegê-lo.




A sua intenção era usá-lo para se vingar de um inimigo já morto: o Papa Formoso. O ódio tinha dois anos. A duquesa tinha levado o filho a Roma para ser confirmado pelo Papa como Sacro Imperador Romano.

Só que Formoso preferiu outro candidato, Arnulfo de Caríntia, descendente de Carlos Magno, que teve uma apoplexia quando resolveu perseguir a duquesa.

Formoso, esse, morreu seis semanas depois, supostamente envenenado por Agiltrude. “É possível que tenha sido demasiado honesto e frontal para o seu próprio bem”, escreve Brenda Ralph Lewis. A verdade é que acumulou muitos inimigos.

Antes de se tornar Papa, foi acusado de pilhar os claustros e de conspirar contra a Santa Sé. Chegou a ser excomungado e exilado. No entanto, as acusações foram retiradas. 

Depois de eleger Estêvão VII, Agiltrude resolveu reavivar a polêmica em torno de Formoso. Em Janeiro de 897 foi anunciado o seu julgamento, embora já estivesse morto há nove meses.


Por sugestão da duquesa, o cadáver em decomposição foi desenterrado e transportado para a sala de audiências, onde foi sentado num trono. Só as vestes penitenciais grossas evitavam que o corpo se desconjuntasse.

Às acusações antigas, o novo Papa acrescentou mais algumas. Troçou e insultou o morto, que podia supostamente defender-se através de um diácono de 18 anos, que devia responder por ele mas estava demasiado assustado com os gritos de Estêvão.

Obviamente, Formoso foi considerado culpado. Despiram o cadáver dos seus mantos. Os três dedos que usara para as bênçãos papais foram cortados e o corpo voltou a ser enterrado, desta vez numa vala comum.

Depois foi desenterrado, arrastado pela ruas de Roma e atirado ao rio Tibre com pesos. Alguns seguidores conseguiram recuperar os restos mortais com a ajuda de pescadores e enterraram-nos num local secreto, para os manter a salvo.

E este foi o início do fim de Estêvão VII, que acabou por ser deposto e estrangulado no calabouço, oito meses depois.

Após o espetáculo do sínodo, Agiltrude foi perdendo poder. Quando morreu, em 923, já outras duas mulheres tinham ocupado o seu lugar em Roma: Teodora e a filha Marózia, ambas amantes de Papas.

A mãe era descrita por um cronista como uma “rameira desavergonhada”. A filha tinha um bordel na ilhota Tiberina, no meio do rio, frequentado por aristocratas e clérigos. 

Teodora tinha seduzido um jovem padre a quem arranjou um bispado e um arcebispado. Para o ter por perto, e desfrutar da sua companhia à noite, chamou-o a Roma e conseguiu que fosse eleito Papa, com o nome de João X.

Nessa altura, já a mulher tinha no currículo dois Papas manipuláveis, Bento IV e Lando I. Mas João X mostrou-se mais independente: logo que foi eleito, trocou-a pela filha de Hugo da Provença, futuro Rei de Itália.

Teodora ficou furiosa, mas foi a filha, Marózia, que iniciou a vingança: orquestrou o assassínio do irmão do Papa, prefeito de Roma, e mandou aprisionar João X, que morreu sufocado na própria cama. 

Marózia ainda fez eleger mais dois Papas-fantoches: Leão VI, que se diz que foi envenenado por ela, e Estêvão VIII.

Mas, no fundo, a condessa estava apenas a tentar ganhar tempo para que o próprio filho, fruto da relação com o Papa Sérgio III, fizesse 21 anos e pudesse sentar-se no trono de São Pedro. Conseguiu-o em 931, e chamou-lhe João XI. 

A preferência de Marózia por João irritou de tal forma o segundo filho, Alberico, que este fechou a mãe numa masmorra durante 54 anos e mandou prender o meio-irmão bastardo.

Durante os 22 anos seguintes, foi Alberico quem elegeu quatro Papas. Quando estava prestes a morrer, ainda nomeou o próprio filho ilegítimo, Octaviano, de 18 anos, como Papa João XII.

Este veio a tornar-se tão depravado que Brenda Ralph Lewis diz que rezavam pela sua morte em muitos mosteiros.

Consta que tinha um bordel na Basílica de São João de Latrão, que dormiu com a amante do pai e com a própria mãe; cegou um cardeal e castrou outro; e usava as oferendas dos peregrinos para fazer apostas de jogo.

Perante o comportamento de João XII, um conselho de clérigos reuniu-se secretamente e ameaçou depô-lo.

Ele retribuiu com a ameaça de excomunhão e, depois, executou ou mutilou todos os que o desafiaram. “Mandou esfolar um bispo, cortar o nariz, dois dedos e a língua a um cardeal, e decapitar 63 membros do clero e da nobreza de Roma”, descreve a autora do livro.

As orações dos inimigos do Papa parecem ter sido ouvidas na noite de 14 de Maio de 964. “Quando tinha relações ilícitas e pecaminosas com uma matrona romana, foi surpreendido em pleno ato pelo marido desta, que, justamente enfurecido, lhe esmagou o crânio com um martelo e assim entregou a sua alma a Satã”, relatou um bispo chamado João Crescêncio. 

A Igreja demorou 22 anos a ajustar contas com as meretrizes que manipularam nove dos Papas mais pecadores da história, diz Brenda Ralph Lewis.

Foi o mesmo bispo Crescêncio que se deslocou ao Castelo de Santo Ângelo para ver a prisioneira Marózia, quando esta já tinha 96 anos.

O Papa João XV, que tinha acabado de ser eleito, teve pena dela e resolveu conceder-lhe misericórdia, mas à maneira da Idade Média. 

Como acreditavam que a maldade podia ser causada pela possessão demoníaca, foi exorcizada e absolvida dos seus pecados.

Depois, um executor sufocou-a com uma almofada. Foi dito que era “para o seu bem-estar, para o bem da Santa Igreja e para a paz do povo de Roma”.

Mas o livro de Brenda Ralph Lewis tem mais 250 páginas de exemplos que provam que o fim da pornocracia não foi o fim da devassidão papal.

Seguiu-se o período de perseguição dos hereges, que começou no século XII com o genocídio dos cátaros (que acreditavam que o mundo tinha sido criado por Satanás e que as pessoas reencarnavam até se tornarem espíritos puros) e depois se generalizou com a Inquisição.

Nos cinco séculos seguintes, “cerca de 40 a 100 mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças, para não falar de milhares de gatos pretos e de vários cães, foram torturadas e mortas”, calcula Brenda Ralph Lewis.

Enquanto os corpos ardiam na fogueira, o Vaticano começava a ser ocupado por uma família que ficaria conhecida na história como uma das mais depravadas da Igreja Católica: a família Bórgia.


O segundo Papa desta dinastia, Alexandre VI, subornou para conseguir o lugar. Tinha oito filhos de três ou quatro mulheres.

A última amante, Giulia Farnese, chegou a ser chamada de “noiva de Cristo”, o que ela achava muito divertido.

Já a sua filha favorita, Lucrécia, casou três vezes para ajudar o pai a estabelecer alianças políticas. Da primeira vez, tinha apenas 13 anos e aos 20 já era viúva em segundas núpcias. Foi o próprio irmão César quem lhe estrangulou o marido, a mando do Papa. 

As histórias em torno de Alexandre VI, Lucrécia e César são escabrosas. Uma refere-se a um jantar, em Outubro de 1501: 50 cortesãs dançaram nuas com 50 criados e, depois, começaram uma orgia.

Quem tivesse mais relações sexuais ou mostrasse um melhor desempenho recebia prémios. Entre quem escolhia os vencedores estava Lucrécia. 

Foram os próprios diplomatas estrangeiros em Roma que espalharam pela Europa a notícia de que os alojamentos do Papa tinham sido transformados num bordel privado, onde todas as noites se encontravam pelo menos 25 mulheres. 

Até à morte do pai, Lucrécia manteve em Roma o importante papel de elo entre o Papa e todos aqueles que queriam obter os seus favores. Algum do seu poder manteve-se ainda durante 16 anos, mesmo após o fim de César.

Só saiu de cena quando finalmente morreu, em 1519, devido a problemas na oitava gravidez. Mas manteve-se como símbolo de depravação. 

fonte: Sábado

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