domingo, 21 de abril de 2019

Cérebros de porcos mortos há quatro horas foram "ressuscitados"


Investigadores de Yale desenvolveram sistema capaz de restaurar parcialmente atividade celular em cérebro morto. Mas, avisam, ainda não há nenhuma aplicação clínica.

Um grupo de cientistas da universidade de Yale, nos Estados Unidos, conseguiu restaurar a circulação, e parte da atividade celular, num cérebro de porco, horas depois de o animal ter morrido. É um feito inédito, até agora considerado impossível, dada a sensibilidade dos cérebros dos mamíferos à falta de oxigénio, mesmo por pouco tempo que seja.

Os cientistas usaram uma nova solução para preservar tecidos neuronais, que introduziram no sistema vascular cerebral e, num artigo publicado na revista Nature , explicam que o seu procedimento abre portas a novos estudos da biologia e da fisiologia do cérebro. Os investigadores sublinham, no entanto, que o novo desenvolvimento ainda não tem, na prática, nenhuma aplicação clínica.

Apesar de terem observado a restauração de atividade celular nos tecidos cerebrais horas depois de o animal ter morrido, os investigadores não registaram qualquer tipo de atividade elétrica associada ao funcionamento cerebral normal.

"Em momento nenhum observámos o tipo de atividade elétrica organizada que está associada a funções como a perceção, o pensamento ou a consciência", explica Zvomir Vrselja, neurocientista e um dos coautores do trabalho, sublinhando que este resultado não mostra um cérebro vivo, "embora as suas células estejam ativas".

Na prática, o sistema desenvolvido na Universidade de Yale permitiu restaurar a circulação vascular no cérebro de um porco morto horas antes, usando uma solução desenvolvida pela própria equipa, e também recuperar algumas das funções celulares, o que abre agora a porta a estudos post-mortem até agora impossíveis, explicam os investigadores.

Os cérebros dos mamíferos são extremamente sensíveis à falta de oxigénio. Sabe-se que mesmo períodos muito curtos de interrupção da circulação e, consequentemente, da oxigenação normal, causam lesões irreparáveis e perda de funções. Por isso o novo sistema agora apresentado é uma novidade.

Como sublinha o coordenador do estudo, Nenad Sestan, "o cérebro intacto de uma grande mamífero mantém uma capacidade até agora insuspeita de restauração da circulação e de algumas atividades moleculares várias horas depois de cessar a circulação sanguínea",

O novo sistema que permite fazer isso, e que os seus criadores designaram como BrainEx, pode ajudar a fazer novos estudos sobre o cérebro, cujos resultados, no futuro, poderão tornar-se relevantes na medicina. "Esta linha de investigação dá-nos a esperança de conseguirmos avançar mais na compreensão e no tratamento futuro de disfunções cerebrais, mas também de desenvolver novas formas de estudar o cérebro humano post-mortem", diz Andrea Beckel-Michener, dos National Institutes of Health, organismo que cofinanciou a investigação.

Num comentário publicado na mesma edição da Nature, o psiquiatra e professor de bioética na Universidade Case Western Reserve, nos Estados Unidos, estima que estes resultados poderão intensificar o debate em torno do transplante de órgãos. "À medida que a ciência da ressuscitação do cérebro progredir, os esforços para restaurar e salvar o cérebro tornar-se-ão crescentemente justificados", escreve o especialista, sublinhando que, nessas circunstâncias, investir na possibilidade de futuros transplantes se tornará menos importante.

Já Nita Farahany, jurista e filósofa da universidade norte-americana de Duke, considerando embora que o estudo abre novas possibilidade de investigação, alerta para a necessidade de novas linhas orientadoras que permitam lidar com os novos problemas levantados pelo estudo, nomeadamente no que toca "às linhas que separam a vida da morte".


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