sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Bacilo da tuberculose detectado num esqueleto humano com sete mil anos


A Mycobacterium tuberculosis foi descoberta pelo biólogo alemão Robert Koch em 1882 VOLKER BRINKMANN/INSTITUTO MAX PLANCK

A tuberculose era um flagelo mesmo antes da saída dos nossos antepassados de África, há dezenas de milhares de anos. Agora, o seu rasto foi encontrado na Europa, numa escavação arqueológica do Neolítico

As ossadas de um jovem adulto que viveu cinco mil anos antes da nossa era na actual Hungria contêm provas físicas e biológicas de que havia tuberculose na Europa naquela altura. É esta a principal conclusão da análise realizada por uma equipa internacional de cientistas cujos resultados acabam de ser publicados na revistaPLOS One.

A tuberculose, causada pelo bacilo de Koch (Mycobacterium tuberculosis), que teve o seu pico no século XIX, continua ainda hoje a ser um flagelo e uma ameaça para a saúde pública, em parte devido à emergência de estirpes resistentes aos medicamentos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 8,6 milhões de pessoas contraíram tuberculose em 2012 e 1,3 milhões morreram da doença - e o número de casos de infecção multirresistente já ultrapassou os 450 mil a nível mundial.

Em Portugal, foram notificadas 2402 novas infecções em 2012 e 140 pessoas morreram. E, embora a infecção pareça estar a ser controlada, começa a aumentar a tuberculose extrapulmonar, considerada a mais preocupante, com 670 casos em 2012, ou seja, 28% do total.

Há muito tempo que Mycobacterium tuberculosis é nosso "companheiro de viagem", tendo saído de África à conquista do resto do mundo ao mesmo tempo que os primeiros humanos modernos, segundo um estudo publicado este ano que retraça e compara, através do ADN, a origem e as migrações deMycobacterium tuberculosis e da espécie humana.

A equipa de Muriel Masson, da Universidade de Szeged (Hungria), juntamente com colegas de várias universidades britânicas, estudou agora 71 esqueletos humanos provenientes de uma escavação arqueológica situada a uns 15 quilómetros a nordeste de Szeged. O levantamento permitiu detectar muitos casos de infecção e de doenças metabólicas nesta população "geralmente não violenta, mas cujas condições de vida eram muito duras", como escrevem os autores no seu artigo.

Um dos esqueletos em particular, nome de código HGO-53, despertou o interesse dos investigadores porque os seus ossos apresentavam sinais de uma doença extremamente rara num achado arqueológico - uma benesse para quem estuda a história das doenças humanas.

O esqueleto em causa (fragmentado, mas completo) é o de um jovem que terá morrido aos 20 anos e que sofria de osteopatia pulmonar hipertrófica, afecção que se caracteriza pela formação de massa óssea nova em diversas partes do esqueleto. De facto, escrevem os cientistas, a análise física das ossadas (mais de mil fragmentos) revelou que todos os ossos compridos do esqueleto apresentavam extensas alterações ósseas e que também havia sinais de patologia nos ossos dos pés. Estavam perante o "mais antigo caso de sempre de osteopatia pulmonar hipertrófica clássica num esqueleto adulto", lê-se no artigo.

Mas não é tudo: acontece que a osteopatia pulmonar hipertrófica é, na esmagadora maioria dos casos, a consequência de uma patologia pulmonar. E que, se hoje em dia ela costuma surgir associada a cancros do pulmão ou infecções pulmonares várias, no caso de um esqueleto com sete mil anos era muito mais provável que fosse devida a uma tuberculose. Em prol desta hipótese, os autores citam aliás um estudo recente, pela equipa de Sandra Assis, da Universidade de Coimbra, de uma série de esqueletos de portugueses que viveram antes da era dos antibióticos e que revelou uma forte correlação estatística entre a presença de osteopatia pulmonar hipertrófica e de tuberculose.

Recapitulando: teria HGO-53 - que, para além das vicissitudes da sua árdua vida quotidiana, provavelmente suportou dores e inchaço articulares por causa da osteopatia ao longo da sua curta vida - contraído tuberculose? Foi o que Muriel Masson e colegas quiseram agora saber.

Para isso procuraram, no ADN e na gordura dos ossos daquele jovem do Neolítico, indícios da presença de Mycobacterium tuberculosis. Apesar de o tecido ósseo não ter estado num estado de conservação suficientemente bom para permitir sequenciar o ADN do bacilo, conseguiram detectar o seu ADN nas vértebras do esqueleto. E a análise da gordura óssea também revelou a presença de ácidos gordos característicos da membrana deMycobacterium tuberculosis.

"Fizemos uma descoberta crucial neste local arqueológico fantástico", diz Muriel Masson, citada num comunicado da PLOS One. "Não só é a mais antiga ocorrência de uma osteopatia pulmonar hipertrófica totalmente desenvolvida num esqueleto humano adulto, como também demonstra claramente a presença da tuberculose na Europa há 7000 anos.

fonte: Público

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