O ornitorrinco é um dos animais que perdeu o estômago, segundo os cientistas
Dois investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR) da Universidade do Porto demonstraram que no decurso da evolução dos animais vertebrados muitas espécies perderam o estômago devido a mutações genéticas.
Ao estudar o genoma de 14 espécies de vertebrados, Filipe Castro e Jonathan Wilson admitem ter resolvido "um puzzle evolutivo com mais de 150 anos".
Num trabalho publicado no jornal científico Proceedings of the Royal Society B, os dois investigadores do CIIMAR demonstraram que a perda do estômago se correlaciona claramente com a perda completa e persistente dos genes responsáveis pela função estomacal.
Assim, em espécies tão diferentes como o peixe pulmonado, o ornitorrinco, o peixe zebra ou as quimeras, "o estômago foi perdido e, provavelmente, nunca mais voltará".
Segundo os investigadores, os zoólogos George Cuvier e Franz Leydig já tinham observado, em 1850, o fenómeno da perda de estômago em muitas espécies vertebradas.
"O ponto em que começámos a trabalhar nesta linha de investigação foi a tentar perceber sob o ponto de vista molecular o que é que poderia explicar este padrão tão bizarro, que é quase como se tivéssemos perdas repetidas de uma estrutura anatómica tão importante. Fizemos isso utilizando uma ferramenta muito fácil que é estudar o genoma destes organismos", explicou à Lusa o biólogo Filipe Castro.
De acordo com este investigador, "sabe-se bem a que é que se deve a função gástrica, quais são os genes responsáveis pela função gástrica -- um é a enzima chamada pepsina, o outro componente fundamental para a presença de ácido no nosso estômago é uma proteína chamada bomba de protões".
"Fomos estudar a história evolutiva quer da bomba de protões quer dos pepsinogênios e verificámos que existe uma correlação absoluta entre a perda destes genes e a perda do órgão", referiu.
Nas dezenas de animais estudados "verificámos que se o organismo não tem estômago também não tem estes genes. Há uma perda recorrente destes genes no genoma destes organismos".
A questão que se segue é tentar perceber porquê. "Nesta altura ainda só temos algumas hipóteses para oferecer, ainda não temos trabalho prático, mas estamos a desenvolvê-lo para tentarmos perceber exatamente por que é que isto acontece de modo tão repetido", disse o investigador.
"Quando eu mudo a minha dieta e por alguma razão aquela proteína deixa de ser capaz de ser metabolizada pela pepsina, então a pepsina não tem razão de existir e acumula mutações e, se acumular demasiadas mutações, desaparece.
Se a pepsina desaparecer também não existe nenhuma razão para nós estarmos a bombear ácido para o nosso tubo digestivo. É uma das hipóteses", explicou.
Os dois investigadores do CIIMAR ainda estão a tentar perceber "a verdadeira implicação deste fenómeno". "Aquilo que é verdadeiramente extraordinário é que quando olhamos, por exemplo, para os peixes ósseos, que são um grupo com mais de 20 mil espécies à face da Terra, temos algumas estimativas que apontam para que cerca de um quarto, entre 20 a 30% destas espécies, não tenham estômago. E isto é que torna este 'puzzle' evolutivo tão interessante e tão notável", considerou Filipe Castro.
"É uma alteração dramática do ponto de vista morfológico, é como se um órgão desaparecesse de um organismo. Não existe um exemplo tão notável de uma alteração morfológica tão evidente associada à perda de genes", sublinhou.
Para este investigador, "não é muito descabido postularmos que, um dia destes, em termos evolutivos, falamos em muito milhões de anos, isso possa acontecer na espécie humana. É a possibilidade infinda que a evolução sempre coloca, depende daquilo que o ambiente e o genoma das espécies colocar à disposição um do outro".
fonte: Diário de Noticias
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