A peste que matou recentemente 39 pessoas em Madagáscar é provocada pela mesma bactéria da Peste Negra do século XIV, que nunca foi erradicada, explicou a investigadora Teresa Novo, que desvalorizou o risco de pandemia.
"Não me parece que, sem intervenção humana, pelo facto de vivermos num mundo globalizado, haja o risco de propagação a nível mundial", disse a cientista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em resposta escrita a perguntas da Lusa.
O Ministério da Saúde de Madagáscar anunciou na quinta-feira que a peste bubónica causou 39 mortos nas últimas semanas no país.
Segundo Teresa Novo, estes casos, como todas as epidemias e pandemias de peste, são provocados pela bactéria Yersinia pestis, que nunca foi erradicada "devido à complexidade da sua epidemiologia".
A bactéria existe em ratos silvestres, que são reservatórios da doença e não morrem da infeção, e é transmitida por pulgas. No entanto, o facto de a doença ter "ciclos silváticos, rurais e urbanos" e envolver diferentes hospedeiros vertebrados e espécies de pulgas em cada um deles dificulta a sua erradicação.
"Por razões que não estão ainda muito bem esclarecidas, por vezes a infeção nos roedores silváticos atinge níveis tão elevados que até eles próprios morrem", levando as pulgas a abandonarem o hospedeiro e a manterem-se no ambiente até conseguirem encontrar um novo hospedeiro.
A bactéria pode assim começar a dispersar-se geograficamente, aumentando as probabilidades de contacto com humanos, explicou Teresa Novo, que recorda que os humanos podem também entrar em contacto com estes ambientes silvestres, podendo aí ser picados por pulgas infetadas e regressando com a doença para as aldeias, vilas ou cidades.
Segundo a cientista, tem havido casos pontuais de peste bubónica em humanos por todo o mundo, dos EUA, à América do Sul, África e Ásia.
No entanto, e embora na sua forma mais grave a doença seja transmissível entre humanos através de gotículas de saliva, Teresa Novo considera pouco provável a existência de uma epidemia transnacional, já que nessa fase o doente está já num estado grave e "não anda a 'passear', devendo mesmo ser hospitalizado e isolado.
"Considerando a rapidez e gravidade dos sintomas, acho difícil alguém infetado fazer uma viagem de avião", disse a investigadora, admitindo no entanto a possibilidade de uma pulga infetada poder viajar com um passageiro ou com um animal de companhia.
Num caso desses, e sendo a peste uma doença de notificação obrigatória, as medidas preventivas seriam a disponibilização à população de informação apropriada sobre os sintomas de peste e o que fazer em caso de suspeita de infeção e aos clínicos de informação sobre diagnóstico e tratamento.
Segundo Teresa Novo, numa pessoa com um sistema imunitário saudável, a doença cura-se com recurso a antibióticos e "não é suposto ocorrer mortalidade".
Questionada sobre eventuais medidas preventivas a tomar em caso de viagem para Madagáscar, a cientista sublinhou que serão apenas necessárias precauções em atividades que envolvam contacto com ambientes silvestres, devendo nesse caso usar-se roupa que permita reduzir a superfície de pele exposta, botas com calças por dentro das meias e uso de repelentes sobre a roupa.
Recomendou ainda a ida prévia a uma Consulta do Viajante.
A peste bubónica chama-se assim porque a multiplicação da bactéria ocorre num gânglio linfático, que aumenta muito de tamanho e torna-se claramente percetível e doloroso: são os chamados bubões.
Se a doença não for tratada, outros gânglios serão afetados e, posteriormente, outros órgãos, nomeadamente os pulmões.
Nesta fase, para além dos bubões, há febre, dores de cabeça e fraqueza.
Se não for atempadamente ou acertadamente tratada, a doença pode provocar dor abdominal e hemorragias, assim como a morte da pele e tecidos (peste septicémica).
Quando a bactéria atinge os pulmões, desenvolve-se também pneumonia, que pode levar a falha respiratória, e nesta fase a doença pode transmitir-se entre humanos via aerossóis.
A peste causou ao longo dos séculos três vagas de pandemias, responsáveis pela morte de 200 milhões de seres humanos. No século XIV, entre 1347 e 1350, matou mais de um terço da população europeia.
fonte: Jornal de Noticias
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