A migração de três andorinhões-reais foi registada com um pequeno aparelho colocado nas aves por uma equipa de investigadores suíços. Fica por descobrir como é que as aves dormem durante o voo
Chegando o final do Verão, as várias espécies de andorinhões abandonam os locais na faixa mediterrânica, de Portugal à Bulgária, onde fazem os seus os ninhos e voam em direcção à África Subsariana, à procura do seu alimento preferido - insectos -, que escasseia na Europa durante o Inverno. Há muito que se acredita que estes migradores de longa distância passam grande parte da sua vida em voo. O estudo de uma equipa suíça, publicado na revista Nature Communications, vem provar que, pelo menos no caso dos andorinhões-reais, isso acontece realmente.
Os andorinhões pertencem à família dos apodídeos, do gregoápodos, que significa "sem pé". "Claro que é um eufemismo, porque eles têm patas, mas são muito pequenas, por isso quase não as usam", explica ao PÚBLICO Gonçalo Elias, investigador num estudo sobre o andorinhão-pálido na serra da Arrábida. "Passam muito tempo no ar, só vêm a terra para nidificar."
O estudo agora publicado mostra como três aves, anilhadas e equipadas com um aparelho localizador quando abandonaram os locais de nidificação, na Suíça, terão estado permanentemente em voo durante 200 dias - quase sete meses! - até regressarem aos mesmos locais de nidificação. Ou, no máximo, terão pousado durante períodos muito breves, em locais à mesma altura do que a do seu plano de voo. "Têm de pousar num sítio alto, porque se pousam no chão não conseguem levantar voo, devido às suas asas muito grandes", acrescenta Helder Costa, um dos autores do livroAves de Portugal, editado pela Assírio & Alvim.
"São aves muito bem adaptadas ao meio aéreo, com elevadíssima mobilidade", reforça Gonçalo Elias. "Há estudos com andorinhões-pretos que mostram que percorrem todo o continente africano, fora da época de nidificação, para se alimentarem. Neste período, não têm nenhum território fixo." Alimentam-se em voo, sem terem necessidade de pousar, utilizando o seu bico curto e largo e uma boca grande, capaz de apanhar uma grande quantidade de insectos, como se fosse uma rede de arrasto de um navio de pesca.
Para perceber melhor os voos dos andorinhões-reais, foram colocados pequenos aparelhos em seis animais enquanto nidificavam na Suíça. Destes, conseguiram-se recuperar três, quando regressaram aos locais de nidificação no ano seguinte. "Só se conseguem capturar quando pousam nos locais de nidificação", refere Gonçalo Elias. "Não se conseguem apanhar nas redes [como as usadas normalmente para apanhar aves], porque voam muito alto."
Os dados recolhidos pelos aparelhos da equipa suíça parecem mostrar que os três animais se mantiveram em voo, fosse um voo batido ou planado, e que as aves estavam mais activas ao amanhecer e ao anoitecer, altura em que terão maior disponibilidade de alimento. Durante a noite, a actividade foi reduzida, mas desconhece-se se as aves descansaram ou dormiram e como o fizeram.
"Durante muitos anos, dormir foi considerado essencial para recuperar pelo menos algumas das funções fisiológicas do cérebro", escrevem Felix Liechti, do Instituto Ornitológico Suíço (em Sempach) e colegas, na Nature Communications.
"As necessidades de sono são diferentes consoante a espécie", especifica Gonçalo Elias. Embora os humanos precisem de dormir um certo número de horas todos os dias, há espécies que pouco descansam se têm de alimentar as crias, para aproveitar o alimento disponível, ou outras espécies que hibernam, dormindo quase metade do ano.
Recordistas das migrações
O corpo dos andorinhões, aerodinâmico e bastante leve, tem capacidade para chegar aos 110 quilómetros por hora em voo batido, e está completamente optimizado para uma maior eficiência energética, obtendo o máximo proveito no voo com um consumo mínimo de energia. Mas um voo de quase sete meses registado para estes andorinhões-reais desafia os limites das migrações.
Este tipo de movimentações, durante períodos tão longos, só era conhecido para os animais marinhos, mas estes podem manter-se dentro da coluna de água com um esforço mínimo, permitindo-lhes descansar. Mesmo o recordista das migrações, a andorinha-do-mar-árctica (Sterna paradisaea), que viaja cerca de 70 mil quilómetros anualmente para ir e voltar da Gronelândia à Antárctida, não permanece em voo durante toda a viagem, pára para se alimentar.
Acredita-se que os indivíduos das várias espécies de andorinhões que nidificam em Portugal regressem todos os anos, mantendo-se fiéis aos locais onde constroem os ninhos.
Os andorinhões-reais (Apus melba) são raros em Portugal, embora apareçam por cá, sendo mais frequentes os andorinhões-pretos e os andorinhões-pálidos. Medem 21 centímetros de comprimento e têm 53 centímetros de envergadura de asas, tornando-os a maior espécie desta família. As penas são castanho-escuras, distinguindo-se pelas manchas brancas por baixo do bico e na barriga.
Em voo, os andorinhões identificam-se por parecerem uma âncora, com as asas desproporcionadas em relação ao corpo. Apesar de algumas espécies até terem a cauda bifurcada, não são primos das andorinhas. Essas longas asas levam-nos em viagens incansáveis, como se viu agora.